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Pode um sistema privado de saúde defender o seu filho?

As farmacêuticas não estão dispostas a arriscar na investigação em antibióticos. Sobram os Estados e as universidades. Só eles defenderão os nossos filhos.

Os números são assustadores: a taxa de vacinação contra o sarampo em Itália, França ou Sérvia é inferior à do Burundi, do Ruanda ou do Senegal. Sucesso da política de saúde pública em alguns países africanos? Sim, também, mas o seu progresso é menos notável do que a regressão das normas de cuidados em alguns países europeus. Pode notar-se, além disso, que a reacionária campanha antivacinas tem algum efeito nesta estatística, mas o essencial desta degradação resulta da decadência dos serviços de saúde, do subfinanciamento das suas atividades, da crise de pessoal qualificado e da mercadorização de serviços, que conduz a maior desigualdade de acesso. O moderno serviço de saúde foi inventado como uma norma democrática, ou de bem comum assegurando o acesso universal, mas tem sido transformado pelo mercado. O problema é que esse processo não assegura nem o investimento em saúde nem resultados que permitam confiarmos que, quando a nossa mãe ou o nosso filho precisarem, ou nós mesmos, o atendimento e o cuidado seja o adequado. O caso dos medicamentos é talvez o mais evidente.

A falência das farmacêuticas

Um artigo recente do “New York Times” traça um retrato sombrio do futuro da investigação em antibióticos, dado que há bactérias que se vão tornando mais resistentes e é necessário mais investimento, mais tempo e mais capacidade tecnológica e científica para obter resultados, o que deixou de convir às grandes empresas. O jornal cita o caso do sucesso de um medicamento, Zemdri, para infeções urinárias, que foi desenvolvido por uma empresa de biotecnologia, Achaogen. A empresa gastou mil milhões de dólares, durante 15 anos, até conseguir obter a autorização para o uso e venda do medicamento. A Organização Mundial de Saúde concluiu que se trata de um medicamento essencial e recomendou-o. Mas a empresa já tinha falido.

O mesmo aconteceu a outras empresas inovadoras em biotecnologia, como a Aradigm. A Melinta Therapeutics, uma grande empresa de antibióticos, anunciou estar em dificuldades. O problema é que as maiores empresas, que dominam a indústria, como a Novartis ou a Allergan, que têm tantos produtos no mercado que lhes garantem um fluxo de rendimentos confortável, estarão a abandonar a investigação em antibióticos, por entenderem ser cara, demorada e arriscada.

O primado do público em saúde

A “Lancet”, uma revista científica de referência em medicina, resumiu esta crise apresentando os números: dos 42 antibióticos atualmente em teste, é possível que só um quinto deles venha a ser aprovado, mas há 700 mil pessoas a morrer por ano com infeções resistentes. Com o agigantar do risco das bactérias resistentes, será necessário um investimento de cinco mil milhões de dólares por ano para novos medicamentos, o equivalente ao gasto do Fundo Global da ONU no tratamento de VIH, tuberculose e malária. Ora, os incentivos à indústria farmacêutica não têm resultado e as grandes empresas não estão dispostas a arriscar. Abandonaram esta investigação, mesmo que saibam que é fundamental. Sobram os Estados e as universidades. Só eles defenderão os nossos filhos.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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