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O brilho e as escolhas

O que extremou campos não foi o 25 de abril, foi a ditadura e a negação da liberdade e direitos. Os expoentes da ditadura não merecem homenagens dos democratas que branqueiem o que fizeram.

O jurista Antunes Varela não é separável do Ministro da Justiça de Salazar Antunes Varela. O divulgador de História José Hermano Saraiva é o mesmo que foi Ministro da Educação de Marcelo Caetano. Por isso, não há como elogiar o jurista sem reconhecer que o seu saber jurídico foi posto destacadamente ao serviço do salazarismo, moldando os conteúdos concretos das políticas da Justiça, nucleares na conformação da sociedade pela ditadura. E não há como fazer o elogio do popular comunicador televisivo sem o saber responsável, como governante, pelo encerramento da Universidade de Coimbra e pela delação dos nomes dos estudantes que lutaram pela democracia, forçando à sua incorporação forçada e punitiva no exército. Não são manchas no curriculum de cada um deles. São elementos definidores essenciais.

Não há brilho de jurista nem capacidade de comunicação e de entretenimento de um intelectual que sejam neutras. O jurista escolhe sempre ao serviço de quem e de quê põe o seu brilho: do fortalecimento do Estado de Direito e dos direitos de cada um/a ou do ataque aos direitos e à negação das regras de limitação da discricionariedade do poder público. O intelectual que momentaneamente ocupa lugares de poder escolhe sempre se o seu campo é o da liberdade ou se é ator do poder que oprime. O jurista Antunes Varela e o intelectual José Hermano Saraiva fizeram escolhas. E essas escolhas definiram-nos como sujeitos públicos. Esquecer essas escolhas, fingindo que elas foram dimensões menores do seu desempenho público ou mera decorrência do seu tempo, é menorizar cada um deles e, mais que tudo, é branquear o que foram e fizeram, por ação e por omissão.

Há quem invoque a suposta necessidade de uma suposta reconciliação de Portugal com a sua História para justificar homenagens a Antunes Varela, a José Hermano Saraiva e a outros vultos da política fascista. O argumento é falso. Primeiro, porque reconhecer a complexidade da História não é tornar tudo indiferenciado. Segundo, porque o que verdadeiramente se pretende com esse apelo a uma suposta reconciliação é, na verdade, negar que o fascismo foi o que foi e insinuar que a rutura democrática de 1974 extremou campos e desbaratou méritos.

Não, o fascismo existiu mesmo. Não, o que extremou campos em Portugal não foi o 25 de abril, foi a ditadura e a negação da liberdade e dos direitos de cada um. Não, os expoentes da ditadura não merecem homenagens dos democratas que branqueiem o que fizeram e o que não quiseram fazer. E não, não há brilho que ofusque isto.

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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