You are here

A construção de uma Europa dos Povos exige sistemas alimentares sustentáveis

Por toda a Europa crescem as preocupações com a alimentação numa perspetiva de sustentabilidade e de direito humano a uma alimentação adequada.

O aumento da fome e da pobreza, a par do aumento da obesidade e de outras doenças associadas à má nutrição, obrigam toda a sociedade a um grande debate sobre a origem dos alimentos e o modo como são produzidos e transformados. Ou seja, estamos confrontados com a urgência de desenvolvermos sistemas alimentares justos, territoriais e sustentáveis. O Partido da Esquerda Europeia não pode ficar de fora deste debate.

Este debate não deve ficar apenas entre os agricultores. Pelo contrário, deve envolver toda a sociedade, pois todos somos consumidores e todos temos de defender o ambiente e a biodiversidade. Por isso, todos devemos participar ativamente na definição de uma nova política agrícola e alimentar para a Europa que permita garantir sistemas alimentares justos e sustentáveis, a soberania alimentar de cada povo, a justa remuneração dos agricultores e dos trabalhadores agrícolas e que contribua para a concretização do direito humano à alimentação. Uma política que promova a necessária transição agroecológica em toda a Europa.

Ao mesmo tempo que se exige aos agricultores a produção de alimentos segundo modos sustentáveis, a sua actividade está sujeita a factores climáticos, cada vez mais adversos e a uma enorme volatilidade de preços por via da globalização dos mercados. Toda a sociedade olha com atenção a produção agrícola e pecuária por causa dos seus impactos na gestão do território, no consumo de água e na emissão de gazes com efeito de estufa.

Por sua vez, as profundas alterações climáticas e a desertificação crescente, muito evidentes no sul da Europa, impõem novos modelos de produção, novos processos e novas culturas.

70% da Europa é rural. 48% do território europeu são terras agrícolas, cuja utilização e manutenção da sua fertilidade são essenciais na luta contra as alterações climáticas. 179 milhões de hectares são cultivados por 10 milhões de explorações que geram 44 milhões de empregos, tanto na produção, como no setor de alimentos. Apesar das estratégias de liberalização comercial, os alimentos produzidos pelos nossos agricultores representam 70% dos alimentos frescos consumidos pelos cidadãos europeus. Todos estes dados, juntamente com o facto de a Política Agrícola Comum (PAC) representar cerca de 40% do orçamento da UE obrigam-nos a uma posição forte em defesa de uma outra PAC, na busca de coerência com os princípios e valores que defendemos.

Se até hoje, a PAC tem privilegiado grandes empresas e a grande propriedade agrária, frequentemente improdutiva, exigimos uma radical alteração desta orientação, apoiando as pequenas explorações, essenciais pela sua dimensão económica, social, ambiental e de ocupação do território. Se a PAC tem favorecido uma estrutura agrária profundamente masculinizada e envelhecida, agora deve mover-se firmemente para uma mudança geracional e de igualdade real entre homens e mulheres.

Em vez de mero instrumento para “criar mercado”, uma nova PAC deve ser instrumento para a adaptação e melhoria dos processos produtivos, tornando-os mais sustentáveis, e para a criação de um sistema alimentar adequado, justo e sustentável.

Além disto, se reconhecemos que os agricultores desempenham um papel central na sociedade, se queremos ser exigentes no cumprimento de critérios ambientais, de qualidade dos produtos e de gestão do território e dos ecossistemas teremos que usar parte dos nossos impostos para garantir a justa remuneração a estes agricultores.

O Partido da Esquerda Europeia, quer encontrar um novo caminho na Europa, olha para as áreas rurais e para o setor agrícola com esperança e está convencido de que a sua contribuição será essencial para a construção da Europa dos Povos: uma Europa sustentável, solidária e apoiada numa economia de escala humana.

Considera que a Política Agrícola Comum, como política pública, deve procurar realizar os objetivos que sejam do interesse público comum. Só assim fortalecerá a sua legitimidade social, a qual constituirá a melhor garantia do seu futuro.

Os povos da Europa estão dispostos a apoiar o tecido produtivo dos nossos territórios rurais, desde que seja sustentado na exploração agrícola familiar e num setor agroalimentar que garantam um ambiente rural vivo e dinâmico, a criação de emprego, a oferta de alimentos saudáveis e de qualidade, a restauração dos ecossistemas, a proteção do meio ambiente e a luta contra as alterações climáticas. O compromisso com esse modelo produtivo deve ser clarificado em toda a regulamentação e em cada uma das medidas e ações contempladas. Implica, designadamente, o apoio ao estabelecimento de circuitos de abastecimento que privilegiem a produção e os mercados de proximidade.

Uma política agrícola e alimentar de esquerda deverá reforçar a componente de desenvolvimento rural. É necessário aprofundar metodologias que permitam uma participação real e um equilíbrio territorial que integre os critérios de justiça social e ambiental. É necessário fortalecer a perspetiva do desenvolvimento local endógeno e incorporar estratégias e instrumentos capazes de enfrentar o declínio demográfico. Precisamos de políticas de desenvolvimento rural mais articuladas e integradas com as restantes políticas de coesão e que respondam aos principais desafios atuais do mundo rural.

Queremos uma Política Agrícola e Alimentar Europeia (PAAE)que dê passos firmes para a transição ecológica do modelo de produção, transformação e distribuição de alimentos. Sempre em coerência com os objetivos de sustentabilidade e combate às mudanças climáticas. A agroecologia é o modelo de futuro que configura este processo de transição, e a PAAE deve incentivar e agir de forma positiva para a sua implementação e generalização a médio prazo, com objetivos ambientais e indicadores claros e eficazes. A PAAE deve também afirmar a necessidade do respeito pelo bem-estar animal.

A vida dos/as agricultores/as está duramente condicionada pelos mercados. Os preços agrícolas devem remunerar o trabalho e os bens que a agricultura fornece à sociedade. Por essa razão consideramos essencial reforçar as medidas de regulação do mercado, que tradicionalmente fazem parte do Regulamento da Organização Comum de Mercado, integrando propostas de transparência e justiça na cadeia alimentar, com mecanismos eficazes para garantir preços remuneradores e estáveis. Será necessário definir instrumentos que permitam atuar de maneira efetiva perante as crises de preços. No entanto, rejeitamos a possibilidade de utilizar o seguro agrícola como instrumento de garantia de rendimento e preços. A proteção adequada do nosso modelo de produção contra importações a preços baixos ou de países onde as regras europeias sobre questões sociais e ecológicas não são aplicadas deve ser essencial para as relações comerciais da Europa.

Uma PAAE estará sujeita ao escrutínio dos 400 milhões de consumidoras e consumidores europeus que têm direito a uma dieta saudável e de qualidade.

Uma política agrícola de esquerda também deve ser uma Política Alimentar. O fortalecimento do direito dos cidadãos a uma alimentação saudável, segura e de qualidade, acessível a todos e no quadro do cumprimento do direito humano à alimentação adequada, deve ser um elemento-chave desta política. Em coerência com estes objetivos, a interdição dos pesticidas tóxicos para a saúde humana, como o glifosato, é uma necessidade. Deve-se considerar também a elaboração de planos territoriais de alimentação democraticamente preparados, a luta contra o desperdício de alimentos e a evolução para modos de consumo ecologicamente mais sustentáveis.

Uma PAAE de esquerda deve ter objetivos ambiciosos que requerem um orçamento suficiente. Por este motivo, opomo-nos à redução orçamental proposta nos documentos iniciais da Comissão Europeia e propomos aos nossos governos e à União Europeia que tenham em consideração a natureza estratégica desta política.

O princípio da subsidiariedade previsto na actual PAC é a priori positivo. A proximidade na definição e aplicação de políticas públicas permite maior eficiência. Neste sentido, consideramos que a gestão da actual PAC a partir de "Planos Estratégicos" nacionais ou regionais pode ser uma oportunidade, mas, no entanto, contém riscos importantes que identificamos: renacionalização da PAC, aprofundamento das desigualdades e assimetrias entre os agricultores dos países ricos e dos que têm menos recursos na Europa, a possibilidade de rutura do mercado interno e, finalmente, o risco de fragilização da agricultura nos Estados e regiões que apontam para uma produção de pequena e média escala e para uma verdadeira transição ecológica da agricultura, devido à competição com outras produções de baixo custo, originárias de países que promovem uma agricultura produtivista e onde o dumping social ou ecológico é praticado.

A implementação da PAC, através de Planos Estratégicos deverá exigir a criação de espaços de participação, articulação, intercâmbio e aprendizagem entre os vários atores afetados pela PAC em cada país, podendo ser uma oportunidade para fortalecer as políticas nacionais relacionadas ao setor.

Finalmente, posicionamo-nos sobre algumas das questões essenciais que as propostas que a PAC levanta no momento estão em curso na definição dos Planos Estratégicos em cada país.

1 - A Esquerda Europeia deve recusar a continuação do esquema de pagamentos associados à superfície, o que acaba por favorecer as grandes explorações e a concentração de terras. Este esquema tem excluído sectores importantíssimos na agricultura mediterrânica e tem convertido os direitos da PAC em mais um património.

2 - Somos a favor da fixação de um limite máximo das ajudas em 60.000 euros por ativo familiar, excluindo os custos salariais e sociais do emprego, estabelecendo um limite para que a PAC deixe de favorecer grandes empresas baseadas na utilização massiva de mão de obra assalariada.

3 - Somos a favor do fortalecimento da condicionalidade ambiental, estabelecendo efetivamente objetivos e indicadores para medir os impactes. Somos também a favor dos "Ecoprogramas" reforçados, mas claramente orientados para a transição ecológica.

4 - Propomos um programa para a floresta mediterrânica, bem como para outros sistemas agro-silvo-pastoris existentes na Europa, como a “dehesa” espanhola ou o “montado” português, que tenha em conta as necessidades de adaptação, os serviços ecossistémicos que fornecem e a sua contribuição para a prevenção dos incêndios florestais.

5 - Somos a favor da ajuda adicional para jovens, mas acompanhada de outras ações que melhorem o funcionamento das explorações, o acesso à terra e outras medidas necessárias.

6 - Propomos, com o mesmo esquema, uma ajuda complementar às mulheres que se incorporem no sector.

7 - Somos a favor do aumento da dotação para pagamentos associados, mas justificando adequadamente a relevância dos apoios. Neste sentido, consideramos essenciais os apoios à pecuária extensiva numa perspectiva agrosilvopastoril, às plantações e pastagens de leguminosas que contribuam para a transição ecológica da agricultura, mas, no entanto, opomo-nos à inclusão de culturas para a produção de agrocombustíveis.

8 - Consideramos que é essencial aumentar a dotação para as medidas de regulação do mercado.

9 - Somos a favor de um maior equilíbrio orçamental entre o 1º Pilar e o 2º Pilar do Desenvolvimento Rural, sendo absolutamente necessário incluir medidas específicas para democratizar o acesso à terra.

10- Somos a favor de medidas de apoio ao associativismo dos pequenos agricultores e produtores florestais.

Estamos convictos de que uma PAAE coerente e ambiciosa com os objetivos ambientais e sociais constituirá um contributo essencial para a construção da Europa dos povos que queremos.

Nota: Texto escrito no âmbito do Grupo de Trabalho de Agricultura do Partido da Esquerda Europeia como contributo para o VI Congresso

Sobre o/a autor(a)

Engenheira agrícola, presidente da Cooperativa Três Serras de Lafões. Autarca na freguesia de Campolide (Lisboa). Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
(...)