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Baralhar e dar de novo

Na próxima semana irá finalmente a votos a Comissão Von der Leyen. Depois de propostas de nomes rejeitadas, depois de várias controvérsias, finalizou-se o processo sem eliminar a ameaça de conflitos de interesses.

Na próxima semana irá finalmente a votos a Comissão Von der Leyen. Depois de propostas de nomes rejeitadas, depois de várias controvérsias associadas aos novos portfólios apresentados pela presidente eleita, finalizou-se o processo sem, contudo, eliminar a ameaça de conflitos de interesses ou mudar significativamente os portfólios. Nas contas finais, parece que tudo não passou de um jogo de equilíbrios partidários, muito longe dos interesses dos cidadãos.

O novo Comissário francês, Thierry Breton, não pode apagar do currículo o passado como CEO da Atos. Será, no mínimo, difícil acreditar que de um dia para o outro o seu foco deixará de ser o das grandes corporações para passar a defender os interesses dos cidadãos europeus. Por alguma razão, passou apenas por um voto no crivo da Comissão de Assuntos Jurídicos e, mesmo assim, pouca gente acreditará que tem menos problemas a esse respeito que a sua antecessora de prova, Sylvie Goulard. A missão de Breton é clara: investir ao máximo no Fundo Europeu de Defesa. Os seus poderes são quase ilimitados.

O Comissário húngaro, Olivér Várhelyi, próximo do governo do seu país, continuará a ser o responsável pelo alargamento e política de vizinhança. Tendo em conta a sistemática violação do Estado de Direito e os ataques aos direitos humanos por parte do governo húngaro, é difícil perceber como poderá ele assegurar que a democracia e o respeito pelos direitos humanos não serão enfraquecidos na política de vizinhança dos próximos anos.

Feitas as contas, nenhum dos problemas tidos como "estruturais" pelas principais famílias políticas foi resolvido, mas, para que tudo possa acabar bem, vende-se a tese de que o impasse foi resolvido. Se juntarmos a alteração meramente cosmética dos nomes dos portfólios, facilmente percebemos que, mais do que responder verdadeiramente aos problemas que enfrentamos, andámos entretidos num jogo de sombras. Para os socialistas e democratas parece suficiente que a pasta "Proteger o nosso modo de vida europeu" passe a chamar-se "Promover o nosso modo de vida europeu", ou que a pasta "Empregos" passe a incluir "direitos sociais", para mudar o sentido de voto. Publicamente parece haver uma cedência por parte da senhora Von der Leyen e, para todos os efeitos, o que parece passa a ser.

Diz-se com frequência que uma imagem vale mais que mil palavras. Neste caso, parece aplicar-se na perfeição. A Comissão que vai a votos até pode ter mudado algumas palavras, mas não eliminou a suspeita sobre a idoneidade de alguns membros que a integram ou a incerteza face à orientação política que, mais que apaziguar, parece querer reforçar os problemas que trespassam o projecto europeu. Fechar-nos num casulo não é solução. Experimentar com um projecto já de si em situação de fragilidade é perigoso. É, por isso, que votar uma Comissão não deveria ser um acto de fé, já que não estamos em tempos de milagres. É mesmo a política que está em jogo e essa não mudou apesar dos disfarces.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 22 de novembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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