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Não sei se alguém viu
Não sei se alguém viu, mas o programa de Governo propõe que as entidades externas, já representadas nos órgãos de decisão das Instituições de Ensino Superior, possam agora incorporar as equipas reitorais. O Partido Socialista, que se juntou à Direita em todos os momentos para impedir que o Parlamento revisse o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), propõe agora o sonho dos neoliberais da Academia. Anseiam transformar o direito ao Conhecimento numa fábrica de mão de obra barata, altamente especializada, desviando o papel da investigação científica como pilar de desenvolvimento para uma lógica produtivista, onde o mercado é um fim em si mesmo.
O clima de medo, impunidade e divisão entre governantes e governados no seio da Academia é o produto da gestão empresarial imposta num serviço público que tem o dever de promover o Conhecimento, a consciência crítica e a participação democrática
O problema tem doze anos e devemo-lo ao Governo do Partido Socialista, quando o Ministro Mariano Gago e o Secretário de Estado Manuel Heitor (atual Ministro) implementaram o famigerado RJIES. Traziam consigo três alterações ao universo académico: menos democracia interna com eleição indireta de reitores e desequilíbrio na paridade entre docentes e estudantes nos órgãos de decisão, entrada de entidades externas nesse espaço e promoção do “Modelo Fundacional” – passagem das Instituições públicas para fundações de direito privado. Desde 2007, que a nova arquitetura institucional permitiu mais abuso sobre os trabalhadores e corte de direitos laborais, aumento da precariedade científica, recuo na participação dos estudantes na vida académica. Em suma, o clima de medo, impunidade e divisão entre governantes e governados no seio da Academia é o produto da gestão empresarial imposta num serviço público que tem o dever de promover o Conhecimento, a consciência crítica e a participação democrática.
Já na legislatura que há pouco terminou, o Ministro Manuel Heitor tinha ensaiado uma revisão do RJIES à socapa, através de alterações cirúrgicas, no meio de um Orçamento do Estado. Corria o ano de 2017 e, qual não foi o espanto, a proposta do OE para o ano seguinte trazia consigo duas novas ideias para a gestão do Ensino Superior: por um lado, a contratação de gestores financeiros, sem teto salarial, por parte das equipas reitorais e, por outro lado, a possibilidade de alienação de património público por parte das Instituições de Ensino Superior em Modelo Fundacional sem necessidade de autorização da tutela. Felizmente, foi eliminada tanto a proposta do Governo como a proposta idêntica que a Direita havia formulado. A concorrência desmedida tem destas coisas: anula-se a si própria.
Poder-me-ia debruçar sobre outros temas como as Propinas, a reestruturação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (F.C.T. I.P.), as progressões justas para todos os docentes, a entrada dos investigadores precários para a sua respetiva carreira de Investigação Científica (ECIC). Mas sobre isso, o Programa é omisso.
Não admira, com esta visão sobre o Ensino Superior, que assistamos ao aprofundamento de empresarialização da coisa pública, como aconteceu no famoso caso do Pavilhão Rosa Mota, agora intitulado Super Bock Arena. “Jerónimo Martins – Universidade de Investigação”, “Santander – Escola Superior de Gestão” ou “Navigator School – Instituto Superior Politécnico”: parece bizarro? E é. Contudo, já esteve mais longe de acontecer.
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