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Quem lucra com a guerra?

Na União Europeia, só em 2017, foram emitidas licenças para vendas de armas à Turquia no valor de 2,8 mil milhões de Euros. São estas as armas que estão a ser usadas contra civis, contra o povo curdo.

Como sabemos, a 9 de Outubro a Turquia iniciou uma invasão dos territórios curdos no norte da Síria e uma vez mais as populações de Rojava ficaram sob ataque. Há duas semanas, escrevi nestas páginas sobre esta invasão. Na altura, quis falar do povo curdo e da forma como tem sido massacrado ao longo da história. Sabemos bem que, nos tempos que correm, a razão principal das guerras é o lucro. São vários os países no mundo que fizeram depender as suas economias do negócio da guerra. A invasão do Curdistão sírio por parte da Turquia não é uma excepção. Falemos então do negócio da guerra com os números que lhes estão associados. É importante fazê-lo porque a questão dos curdos, a nação sem Estado mais numerosa do mundo, ficou também ela refém de quem lucra com esta ofensiva militar turca.

É verdade que a União Europeia condenou a invasão turca e que alguns Estados Membros anunciaram que poriam um fim aos contratos de venda de armas à Turquia. Contudo, nem os países da União Europeia conseguiram declarar um embargo total à venda de armas, e muito menos os países que tão prontamente anunciaram o fim dos contratos explicaram que isso seria só para novos contratos, mantendo os que vigoram actualmente e que continuarão a levar até à Turquia as armas que estão a ser usadas no conflito. Este “pequeno detalhe” é o que faz da União Europeia não um mero observador, mas uma parte activa deste conflito.

Na União Europeia, só em 2017, foram emitidas licenças para vendas de armas à Turquia no valor de 2,8 mil milhões de Euros. O negócio das armas e de equipamento militar com a Turquia rendeu 34 milhões de euros à Alemanha, 736 milhões de euros à França, 266 milhões de euros à Itália e mil milhões de euros ao Estado Espanhol. Podemos ainda detalhar mais, de forma não exaustiva, para que não restem dúvidas. No caso da Alemanha, foram 18 milhões de euros em bombas, mísseis e engenhos explosivos e 7 milhões em agentes químicos e biológicos, agentes anti-motim e materiais relacionados. No caso da França, foram 112 milhões de euros em equipamentos blindados e de protecção e 90 milhões de euros em veículos terrestres e componentes. No caso da Itália, foram 197 milhões de euros em aeronaves e drones e 55 milhões de euros em munições e dispositivos de ajustamento de espoletas. No caso do Estado Espanhol, foram 946 milhões de euros em aeronaves e drones e 4 milhões em navios de guerra e equipamento naval.

Estes são apenas os contratos em curso e nenhum destes foi denunciado. São estas as armas que estão a ser usadas contra civis, contra o povo curdo. Não haverá fim à vista para a guerra enquanto o negócio das armas continuar a prevalecer sobre os Direitos Humanos. Para inverter este ciclo, o povo curdo precisa mesmo do apoio da comunidade internacional e da sociedade civil, já que esperar por uma acção concreta dos governos que fazem negócio é mesmo tempo perdido. Não podemos dizer que não sabíamos.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 2 de novembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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