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Por uma política cultural com um patamar mínimo de 1% das despesas
A política cultural serve para garantir os direitos culturais da população, para produzir e transmitir conhecimento para a qualificação e democratização da sociedade.
O exercício destes direitos culturais não pode ser encarado apenas como letra morta prevista na Constituição e também não pode continuar a ser visto como uma abstração. Deve antes ser garantido com base num plano público.
Em Portugal a implementação da política cultural tem sido frágil e tem tido uma evolução errática. As medidas são esporádicas – os projetos piloto e os projetos de betão – e nunca houve realmente estratégia e recursos para dar sentido aos equipamentos que temos no território.
O investimento público sempre foi muito baixo, não tendo nunca ultrapassado 1% do total das despesas do Estado.
Apresenta uma tendência decrescente há 20 anos, quer em termos absolutos quer em percentagem do total das despesas.
Nos anos da troika esta tendência agravou-se. PSD e CDS criaram ainda mais dificuldades, não apresentaram qualquer estratégia para as redes de equipamentos e, continuando a veicular um discurso ofensivo que trata publicamente os artistas como indigentes, reduziram a autonomia e a heterogeneidade da criação artística.
Esta política deprimiu quem faz Cultura, mas não surpreendeu.
Surpresa foi o mandato que acabou recentemente, e surpreendentes são as perspetivas para o futuro.
Há quatro anos havia uma enorme expectativa. Ao contrário de outros setores, esta expectativa apontava não só para um projeto de recuperação, muito necessário, mas também para um salto qualitativo e quantitativo, perfeitamente possível. Não foi o que aconteceu, pelo contrário, não vimos recuperação de investimento e continuou a colocar-se a cultura ao serviço do turismo, e, seja no Cinema, Literatura ou Artes performativas, a colocar a criação ao serviço da distribuição e programação. Também não melhorámos no campo laboral e mantem-se num manto de invisibilidade a enorme precariedade de quem trabalha na cultura.
O que vimos foi a gestão corrente dos escassos recursos, cujas cativações impediram que os pequenos melhoramentos vissem sequer a luz do dia.
É por isto que importa voltar às definições. Política cultural não é turismo. Sem intervenção pública as possibilidades de criação e acesso restringem-se às regras desiguais do atual sistema de produção que cria a sua própria hegemonia cultural. E sem investimento público, a intervenção pública fica esvaziava.
Sobre isto, gostava de reafirmar que é com pouca seriedade o primeiro ministro nos tem atirado areia para os olhos com a lenda de uma etérea transversalidade das despesas com Cultura. É um engodo que não nos convence.
É certo que as despesas públicas podem ser calculadas em vários níveis (central e local), e através de diferentes classificações, mas isso não significa que é indefinível, ou que se transforme num lugar vazio onde tudo é cultura.
Sabemos que nem as câmaras municipais têm capacidade para garantir serviços públicos em todo o território, nem o serviço nacional de cultura se garante apenas com o governo central. Mas tenhamos rigor: um não substitui nem se confunde com o outro.
Podemos também, de facto, ter um numero que corresponda à despesa transversal aos ministérios, há um conceito bem definido, determinado pela OCDE e exigido pelo Sistema Europeu de Contas, podemos ver as publicações do Eurostat (para o caso de Portugal escusado será dizer que têm estado longe de atingir 1% das despesas).
Mas também não é difícil entender as diferenças funcionais nos ministérios: cada ministério tem serviços públicos que gere com o seu orçamento. É, pois, precisamente pelos serviços públicos do ministério da cultura não estarem suficientemente desenvolvidos, pelas ausências que se fazem sentir, que nos querem enganar com a solução mágica da transversalidade.
E é por causa deste vazio que reivindicamos uma política cultural com um patamar mínimo, já neste orçamento para 2020, de 1% das despesas totais da administração central.
Concretamente, independentemente das fontes de receita (gerais ou consignadas) é este valor que se deve gastar nas atividades das instituições do Ministério da Cultura (sem a RTP, obviamente).
Não conhecemos ainda o próximo orçamento, mas o programa de governo já é público. Não sabemos o que o governo pensa sobre emprego na cultura, mas parece que gostam da economia cultural. Não sabemos o que querem fazer com o apoio às artes, mas consideram os artistas agentes de mudança. Não há palavras sobre a falta de recursos nos museus, mas é importante a cooperação com as empresas.
Nós, por outro lado, temos uma reivindicação transparente. Recursos para fazermos serviço público.
Mais, sabemos que há recursos. Fora de cena quem não é de cena - a obsessão pelo défice que levou este país a dar lucro em 2019 tem de acabar.
Organizarmo-nos é começarmos a vencer!
Texto de intervenção na Tribuna Pública “Todo o Apoio às Artes - 1% para a Cultura – Lisboa“, 29 de outubro de 2019
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