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Algumas propostas modestas sobre habitação
Esta semana foi divulgado um estudo da Universidade Nova de Lisboa, muito citado na imprensa, que calcula a taxa de esforço das famílias com a habitação em 2016-2018, revelando que em Lisboa esse valor chega a 58% e tem subido cada ano. Sendo arrendamento, o esforço pode chegar a 67%. Os valores noutras cidades ficam próximos desse limiar. Bastará isto para se perceber o perigo? Nem pense nisso. Continua a ser mais fácil não fazer nada.
O défice social
Os custos da crise da habitação vão-se agigantando e a resposta é sempre a mesma, promessas ocasionais. Ora, os três principais desses custos serão incontroláveis se não existir um mecanismo social de compensação. São, em primeiro lugar, o preço que exclui (a habitação é deslocada para a periferia, com custos de tempo e congestionamento); em segundo lugar, a cidade transforma-se em Disneylândia (com bairros maioritariamente em alojamento local); e ainda, em terceiro lugar, o mapa dos serviços públicos fica desadequado. O espaço da cidade, que com o urbanismo moderno criava uma dinâmica de integração, é deste modo destroçado para dar lugar a um apartheid. Resultado: esta cidade será mais agressiva, o acesso ao estudo universitário será prejudicado, os serviços serão mais caros, os impactos ambientais dos transportes serão mais pesados.
Algumas soluções modestas
Deste imbróglio resulta evidente que as soluções devem ser duras. Primeira: reduzir a procura, a começar por encerrar os vistos gold e os privilégios fiscais para pensionistas nórdicos. Segunda: aumentar a oferta, fechando muito alojamento local e iniciando um programa de reabilitação urbana para aluguer de longa duração. Significa mobilizar os fogos desabitados, por pressão fiscal ou por contrato em que o proprietário ficará a ganhar, com a recuperação e aluguer da sua casa desabitada. Além disso, há instituições que têm milhares de casas, e podem assim disponibilizar muitos dos fogos necessários para que haja impacto real nos preços.
Ora, aqui está o problema, dinheiro e tempo. São precisos muitos anos (mas imagine só a alternativa, que continuamos nesta espiral de preços, e pense se não vale mais agir desde já).
Os obstáculos a vencer
Depois, é a falta de dinheiro, porque um governo que hoje invista vai criar défice e não vai ter o prémio (o próximo governo é que vai ter a receita das rendas cobradas e a compensação eleitoral). É arriscado politicamente, mas indispensável. Mais dificuldades: os fundos estruturais só pagam para eficiência energética e pouco mais, a não ser que as regras mudem. Solução, ir aos empréstimos do BEI e em grande escala.
Haverá ainda outros obstáculos difíceis, como as resistências sociais. Alguns proprietários e fundos especulativos ganharam muito em pouco tempo. Vão perder se houver rendas mais baratas no mercado. E depois vem a rotina municipal, ou os pequenos poderes. Por tudo isto, o impasse é este: até agora, há muitos que precisam, todos aceitam, mas, entre quem manda, ninguém quer. É por isso que, para obrigar o Ministério das Finanças, seria importante um contrato para a habitação como base de acordo parlamentar que obrigasse Costa. Sem a ‘geringonça’, resta uma última possibilidade, a negociação do Orçamento que inclua esse plano plurianual para rendas baratas, com metas e verbas. Ou isso, ou teremos um dia a cidade a explodir.
Artigo publicado no jornal “Expresso” a 26 de outubro de 2019
Comments
Mais uma (quase)brilhante
Mais uma (quase)brilhante intervenção de um muito brilhante (sem ironia) pensador, que muito admiro. Subscrevo, no essencial, a clarividência do argumento de Francisco Louçã; mas inquieta-me o descarte do impacte do fecho de Alojamento Local (AL) a nível do Desemprego, com a consequente insubsistência de muitas Famílias. A isso, junte-se a perda de milhares de ocupações indelevelmente associados (não digo, todos emprego, por decoro e porque não quero ser mais papista que o Papa) dentre equipas de assistência (recepção, acompanhamento, limpeza, decoração, manutenção, transportes, etc.). Tudo, em mico-escala, é verdade, mas avassaladora e incontornavelmente significativo, em somatório.
Se Francisco Louçã quiser assestar sobre o assunto um olhar mais lato, há-de ainda acrescentar ao(s) benefício(s) a regeneração urbana de grande parte do imobiliário até então, decrépito, não podendo deixar de registar, consequentemente, os efeitos positivos, como os do desenvolvimento das economias locais e mão-de-obra associada. E - já agora... - perceber que a exploração do Alojamento Local veio proporcionar a muitas Famílias uma escapatória minimamente digna para as respectivas asfixias económicas.
Em suma, também acho que têm de ser criados, imediatamente, mecanismos de defesa do direito à Habitação; mas sem tocar o paradoxo de destruir Emprego de subsistência. Até porque muitos (porventura, a esmagadora maioria) dos que sobrevivem do AL, não conseguiriam, depois, pagar arrendamentos, mesmo de valor residual...
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