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O melhor amigo dos banqueiros

Barack ObamaBarack Obama insistiu numa entrevista que é um "acérrimo defensor" do mercado livre - e Alan Maass diz que não existe razão para duvidar da palavra dele. Publicado no Socialist Worker.

Tenham pena do pobre Barack Obama.

Numa entrevista de fundo à Bloomberg Business Week, o lider do governo mais poderoso no planeta queixo-se sobre "a ironia... de que à esquerda, somos vistos como estando nos bolsos dos grandes negócios, e pelo lado do negócio, somos vistos como sendo anti-negócios."

Com certeza que é difícil não sentir simpatia pela vitima de tamanha ironia.

Mas mais uma vez Obama mostrou qual dos dois supostos mal-entendidos queria realmente esclarecer - passando o resto da entrevista penhorando a sua lealdade às corporações e ao capitalismo.

"Vocês teriam muita dificuldade para identificar legislação proposta que não seja boa para os negócios", insistiu Obama. "Nós somos pró-crescimento. Nós somos acérrimos defensores de um mercado livre, próspero e dinâmico."

Quaisquer liberais1 que acreditaram - com escassa evidência - que Obama e a sua administração tinham reagido à vitória Republicana na eleição especial no mês passado para o Senado no Massachusetts pela via "do populismo" ficaram extremamente desapontados.

Quando questionado sobre o que pensava acerca dos bónus multimilionários concedidos aos executivos dos bancos de Wall Street que conseguiram anunciar lucros recorde no ano passado graças ao programa de ajuda do governo federal, Obama não hesitou em defender o CEO do JP Morgan Chase, Jamie Dimon, (bónus de 17 milhões de dólares no ano passado) ou o líder do Goldman Sachs, Lloyd Blankfein (9 milhões).

"Conheço-os aos dois", respondeu Obama. "São homens de negócios muito experientes. E eu, tal como a maioria do povo americano, não invejo o sucesso ou a riqueza de outras pessoas. Isto faz parte do sistema de mercado livre."

Até a Business Week pareceu surpreendida por Obama não pensar que pessoas comuns tivessem pelo menos um pouco de ressentimento relativamente a dois homens que dependeram dos contribuintes para salvar os seus negócios - e depois pagaram a si próprios muitas vezes mais por um ano do que muitos contribuintes ganharão numa vida inteira de trabalho.

"Dezassete milhões é demasiado para o Homen da Rua engolir," pressionou Business Week. Obama respondeu transpondo para a onda dos comentadores desportivos da rádio que criticam duramente os atletas de alta competição pelos seus altos salários: "Ouçam, 17 milhões de dólares é um montante extraordinário de dinheiro. Claro que há alguns jogadores de basebol que ganham mais do que isso e também não chegam às World Series, também fico chocado com isso."

A seguir veio a homenagem de Obama ao anti-sindicalismo. Quando os seus entrevistadores lhe pediram um exemplo de um CEO que ele admirasse, a resposta de Obama foi... Frederick Smith da FedEx, um republicano devoto, que estava na corrida para ser o companheiro de John McCain em 2008 e que impiedosamente lutou contra todas as tentativas dos sindicatos de se organizarem na sua empresa.

Como assinalou, recentemente, John Judis na New Republic, Smith tentou fazer chantagem sobre o governo dos EUA - ameaçando cancelar uma encomenda milionária de novos aviões da Boeing se o Congresso se atrevesse a aprovar uma Lei que teria posto a FedEx sob jurisdição do National Labour Relations Act, assim dando aos trabalhadores uma possibilidade mais justa de se sindicalizarem na gigante transportadora.

Mas, para Obama, Smith é "muito sério. É um exemplo de alguém que está a pensar a longo termo... É só um exemplo de alguém com quem sentar-se e conversar foi incrivelmente produtivo e uma ajuda para moldarmos as politicas governamentais."

* * *

Tendo em conta o registo do que foi o seu primeiro ano no cargo, é difícil acreditar que alguém, realmente, considere Barack Obama "anti-negócios."

A sua administração apanhou o resgate de Wall Street onde George W. Bush o deixou, comprometendo o governo federal em biliões de dólares. O Secretário das Finanças Tim Geithner fez tudo o que os banqueiros poderiam ter desejado, incluindo ajudar a encobrir alguns dos maiores escândalos do resgate. A administração esmagou uma rebelião não muito determinada de alguns democratas do Senado e forçou a aprovação da recondução no cargo de Ben Bernanke como director da Reserva Federal. Até os patrões da energia - favoritos da administração Bush - têm de estar contentes com o apoio de Obama ao programa de energia nuclear e à loucura do carvão limpo.

A introdução à entrevista com Obama da Bloomberg Business Week forneceu ainda mais provas das conexões da administração com o poder empresarial: enquanto o presidente estava a ser entrevistado na Sala Oval, relatou a revista, "um grupo de CEOs estava sentado no lobby da Ala Oeste: entre os presentes, à espera de um encontro com Rahm Emmanuel, Chefe de Pessoal da Casa Branca, encontravam-se Jeffrey Immelt, da General Electric Co, e David Cote, da Honeywell International, assim como Carol Browner, coordenadora de energia, para discutir politicas de alterações climáticas.

Claro que isto não quer dizer que tanto Wall Street como os republicanos parem de queixar-se sobre as supostas politicas socialistas de Obama. Como, sempre que abrem a boca, ganham novas concessões por parte da Casa Branca, seriam tolos se fizessem o oposto.

Como Glenn Greenwald escreveu no Salon.com, o retrato de Obama nos média como hostil a Wall Street é completamente erróneo:

"Os executivos de Wall Street e os seus lobistas têm acesso irrestrito tanto à administração como ao presidente. Pensaríamos que eles se satisfizessem com este estado de coisas em Washington. No entanto tão extremos são os seus direitos de controlo, ou assim os entendem, que até mera desobediência simbólica ou retórica por parte de políticos que eles controlam - ele disse coisas más sobre nós - cria um sentimento de agravo justificado: os funcionários do nosso governo não se comportam deste modo para connosco, e serão punidos se isto continuar."

É tudo verdade. Mas o outro lado do propósito do rufar de queixas sobre Obama da parte da América Empresarial é manter a administração refém - mantida sob aviso de que as suas críticas leves à ganância e à imprudência em Wall Street não devem aumentar, muito menos ser traduzidas em políticas que os afectem de algum modo significativo.

A entrevista de Obama à Bloomberg Business Week foi a resposta da administração às corporações: Não têm com que se preocupar.

No mínimo, deve provar que as ocasionais referencias de Obama aos "banqueiros gordos" e à luta contra Wall Street que "estou disposto a ter" não passam de retórica vazia.

* * *

Entre os apoiantes liberais de Obama, a entrevista da Bloomberg Business Week foi recebida com raiva e frustração. "Como é que é possível, neste momento, que Obama seja tão cego?", exasperou-se o colunista do New York Times Paul Krugman.

Mas muitos destes comentadores tenderam a julgar Obama segundo as normas do spin politico - vendo as palavras de Obama como má mensagem, porque isso o poria do lado errado relativamente à ira popular contra Wall Street.

John Judis, por exemplo, fez um grande trabalho ao desmantelar a defesa dos bónus dos banqueiros por Obama e a homenagem a Frederick Smith - mas concluiu com a sugestão de que "alguns pontos astutos sobre injustiça... teriam ajudado a desmantelar o medo popular de que Obama não está, na verdade, do lado deles."

Isto suscita a questão: está Obama, realmente do lado do povo trabalhador, e só não o está a comunicar efectivamente? Ou as suas palavras na Business Week reflectem aquilo em que realmente acredita?

Para os milhões de pessoas que votaram nele, o Obama candidato pareceu ser alguém do lado do povo, comprometido com a mudança de direcção da política nos EUA. Mais ainda, a escala da crise económica parecia que iria forçar o próximo presidente a agir agressivamente relativamente a Wall Street - pelo menos impondo duras regulamentações, ou mesmo a nacionalização de parte do sistema financeiro.

Contudo, havia sinais de um Obama diferente, mesmo no auge da campanha - momentos em que revelou que não era assim tão liberal, mas que vinha do fluxo principal do quadrante politico do partido, numa tentativa de ocupar o centro do espectro politico dos EUA.

Por exemplo, quando a batalha pelas primárias entre Obama e Hilary Clinton se mudou para Nevada em meados de Janeiro de 2008, Obama encontrou-se com o conselho editorial de um jornal de Reno e essencialmente abraçou o legado de Ronald Regan.

Segundo Obama, Reagan "mudou a trajectória da América de uma forma que nem Richard Nixon nem Bill Clinton conseguiram. Pôs-nos num caminho diferente, porque o país estava pronto para isso. Penso que eles sentiram que com todos os excessos das décadas de 60 e 70, o governo tinha crescido e crescido, mas não havia muito sentimento de prestação de contas em termos de como operava."

Como o SocialistWorker.org escreveu na altura:

"Nenhum dos candidatos à nomeação presidencial republicana - cada um professando a sua devoção à desacreditada doutrina "trickle-down economics" de Reagan, dos efeitos benéficos dos cortes nos impostos para os super-ricos - teria posto isso de forma diferente."

Este é o conteúdo real da retórica de Obama sobre acabar com "divisões partidárias" em Washington - concessões às ideologias pró-mercado livre e anti-"grande governo" que vieram a dominar durante o período de domínio conservador inaugurado com a presidência de Reagan.

Houve mais exemplos. Com a aproximação das primárias nos Estados do Midwest de Ohio e Pensilvânia, tanto Obama como Clinton descobriram de repente a sua frustração de longa data pelo acordo do Mercado Livre Norte Americano (NAFTA), e a sua determinação em renegociá-lo. Mas enquanto a retórica anti-mercado-livre inundava os debates dos candidatos, o assessor económico de Obama Austan Goolsbee encontrava-se com representantes do governo canadiano assegurando-lhes que a retórica da campanha anti NAFTA "devia ser vista mais como um posicionamento politico do que uma clara articulação de planos políticos."

Os apoiantes sindicalistas e liberais de Obama explicaram estes favorecimentos em relação aos grandes negócios e aos conservadores como o tipo de coisas que um politico "tem de fazer" para ser eleito. Mas esta prática acabou por ser muito mais próxima do Obama "real" do que o excitante orador de comício que prometia mudança.

Na realidade, Obama estava a correr também numa segunda campanha, oculta, para ganhar o "financiamento de campanha" e o apoio da elite dos negócios dos EUA. Ganhou essa, também - muito antes do voto que o faria presidente. De acordo com um relatório do Center for Responsive Politics, ao mesmo tempo que Obama prestava homenagem a Ronald Reagan, tanto ele quanto Hilary Clinton estavam a arrecadar duas vezes mais do que John McCain em donativos de corporações de indústrias que tradicionalmente contribuíam mais para republicanos que para democratas.

Qualquer esperança de que Obama levasse a cabo uma agenda que pusesse os trabalhadores antes das corporações tem a evidência de um ano a demonstrar o oposto. Não existe nenhuma razão para duvidar da palavra dele quando insiste que é "acérrimo defensor" de um mercado livre, próspero e dinâmico."

Como qualquer político, Obama sempre responderá às implacáveis pressões vindas de cima - dos negócios dos EUA e da elite politica - a não ser que encontre pressão abaixo, na luta das bases mobilizadas.

17de Fevereiro de 2010

Tradução: Cristina Costa Pontes

1O termo "liberais" é aqui usado no sentido de "pessoas de esquerda"

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