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Argentina: O escândalo dos aumentos de tarifas

Os ganhos das principais empresas privadas que gerem os serviços públicos somam 3.525 milhões de dólares entre 2016 e 2018. Significa que ganharam 3,2 milhões de dólares por cada dia de governo macrista. Há cada vez mais famílias que não conseguem pagar as contas, mas os empresários ganham mais. Por Mónica Arancibia, La Izquierda Diario.
Manifestação contra os aumentos de tarifas promovidos por Macri. Foto de Banfield.
Manifestação contra os aumentos de tarifas promovidos por Macri. Foto de Banfield.

A coligação Cambiemos (liderada por Macri) subiu as contas de forma chocante, e para muitas famílias os serviços tornaram-se um bem de luxo que não se pode pagar. Entre maio e novembro de 2018, mais de 87 mil utentes em Buenos Aires e na sua área metropolitana desvincularam-se do serviço do Metrogas, segundo dados da Entidade Nacional Reguladora do Gás (Enargas).

O contador pré-pago, o facto de se ter luz por algumas horas até que acaba o saldo e se acendem as velas, são os postais que deixa Macri em matéria de serviços públicos.

As tarifas subiram mais de 2.000% e enquanto os lares “poupam” no consumo básico, como por exemplo ao não usar o frigorífico no inverno, há quem tenha ganho, e muito, com os aumentos: as empresas privadas que gerem os serviços públicos.

Há lares que “poupam” no consumo básico, por exemplo deixando de usar o frigorífico no inverno

Segundo o especialista em geopolítica da energia e recursos naturais, Gustavo Lahoud, “mediante tarifários e a redução de mais de 70% dos subsídios em dólares ao sector energético, produziu-se uma transferência de recursos para esse grupo concentrado de empresas. Os primeiros cálculos que conseguimos fazer até meio de 2018, quando ocorre a desvalorização de 110%, mostram que essa transferência ronda os 8.500 milhões de dólares, de todos os argentinos para um conjunto de empresas de gás, petrolíferas e elétricas, que têm sido as grandes lucradoras”.

Ganham os de sempre

O sistema energético é dirigido por um pequeno grupo de empresas, entre as quais figuram amigos do presidente.

Pampa Energia é de Marcelo Mindlin, amigo de Macri. É a principal empresa energética privada do país e intervém em todas as etapas produtivas. Também tem a Transportadora de Gas del Sur, uma das principais empresas da área. Além do mais, é dona da Edenor e de outras empresas. Em 2018 ganhou 384,5 milhões de dólares. Essa soma representa quase meio milhão de reformas mínimas de 23.722 dólares, que era o valor base para um adulto idoso no ano passado, elaborado pela organização Defesa da Terceira Idade (Defensoría de la Tercera Edad). É o montante que teria que receber um aposentado, mas nos finais de 2018 a aposentação mínima era de 9.309 dólares.

O czar da energia, apesar de ser próximo de Macri, depois da derrota eleitoral teve um encontro com Alberto Fernández. Os empresários realinham-se para ver como continuam os seus negócios, como os que saíram do grupo Nuestra Voz (um grupo de WhatsApp integrado por mais de 200 empresários que apoiavam Macri) que cada vez fica com menos membros.

Nicolás Caputo, um amigo próximo de Mauricio Macri, tem participação acionária na Sociedade Argentina de Energia S.A. (Sadesa), que dirige a empresa Central Puerto, o principal gerador de energia elétrica. Também tem ações na Edesur. De 2016 a 2018 os seus rendimentos em dólares aumentaram 403%.

Transener é a empresa transportadora acusada de ser responsável pelo histórico apagão nacional de luz durante o Dia do Pai. Entre 2016 e 2018 acumulou lucros de quase 119 milhões de dólares.

Transener é uma empresa mista. Hoje 51% da companhia está nas mãos da Citelec, que se divide em partes iguais entre a Pampa Energia, a empresa de Marcelo Mindlin, e a Iaesa, a ex-Enarsa, pertencente ao Estado.

Entre 2016 e 2018, as empresas privadas de serviços públicos ganharam 3,2 milhões de dólares por cada dia do governo macrista.

Os lucros das principais empresas somaram 3.525 milhões de dólares entre 2016 e 2018. Isto significa que ganharam 3,2 milhões de dólares por cada dia do governo macrista.

Por herança dos anos 90, que o kirchnerismo deixou intacto durante os seus governos, tanto no setor da eletricidade como no do gás, há diversos trechos que são operados por diferentes empresas privadas. Trata-se da geração, do transporte e da distribuição.

As companhias cotizadas na bolsa de valores argentina (Merval) que pertencem aos segmentos de energia elétrica e gás ganharam entre 2017 e 2018 3.698,9 milhões de dólares.

Também lucraram na década anterior

As empresas privadas não lucraram só durante o macrismo. Durante o kirchnerismo aplicou-se um esquema de subsídios para garantir os vencimentos das empresas de energia sem tocar no esquema de privatizações. Além disso, tinha como objetivo fornecer energia barata às grandes empresas como a Arcor (multinacional argentina de alimentação, agro indústria e embalagens) e a Techint (conglomerado italo-argentino de engenharia e construção). São as grandes companhias que mais precisam de gás e de eletricidade, não são as pessoas nas suas casas.

Entre 2004 e 2015 destinaram-se 162.000 milhões de dólares em subsídios de todo o tipo à energia, ao transporte e a outros sectores produtivos através das chamadas “transferências correntes ao sector privado”.

Os subsídios não se destinaram a aumentar o investimento e melhorar o serviço, foram diretos para os bolsos dos empresários.

Os subsídios não se destinaram a aumentar o investimento e melhorar o serviço, foram diretos para os bolsos dos empresários. Assim, os serviços públicos ano a ano foram piorando na qualidade, com cortes de luz. O facto mais comovente foi o crime social de Once (a 22 de fevereiro de 2012 quando um combóio metropolitano chocou na estação Once, em Buenos Aires, matando 51 pessoas e ferindo 800) devido à falta de investimento no transporte ferroviário.

Na campanha eleitoral Alberto Fernández, da Frente de Todos, prometeu desdolarizar as tarifas dos serviços públicos. No entanto, o economista próximo do candidato presidencial, Emmanuel Alvarez Agis, esclareceu que desdolarizar as tarifas é “impraticável”.

Agis explicou que se o FMI exigir um ajuste para atingir o superávit fiscal de 1% em 2020, as contas terão de aumentar 77%. A Frente de Todos pretende um pacto social com um acordo paritário entre 25-30%. Ou seja, uma nova machadada no salário dos trabalhadores se se concretizarem esses aumentos que terão impacto na inflação.

Acabar com o lucro das empresas privadas

Os serviços públicos são um direito essencial para o povo trabalhador. Não podem ser geridos por um punhado de empresas que, como vimos, só pretendem aumentar os seus lucros sem se importarem com as melhorias do serviço.

Só a Frente de Izquierda Unidad propõe a anulação dos tarifaços. Perante a irracionalidade do facto de várias empresas gerirem um pedaço do sistema energético, é necessário terminar com o roubo das empresas privadas e criar uma empresa pública única que faça a gestão de todo o sistema energético nacional, isto é, de todas as etapas produtivas: desde a extração dos recursos, a geração, o transporte, até à distribuição. Uma empresa pública que seja administrada pelos próprios trabalhadores, com o apoio de técnicos e especialistas das universidades, que seja controlada por utilizadores populares.

Publicado originalmente no La Izquierda Diario.

8 de outubro de 2019

Tradução de Joana Campos para o Esquerda.net

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