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Eleições na Argentina: certezas, evidências, incógnitas e um mar de dificuldades
A esta altura dos acontecimentos no plano político, e quando só faltam 23 dias para as eleições legislativas, há pelo menos uma certeza e uma incógnita. A primeira é que os analistas já descartam uma recuperação da fórmula Macri-Pichetto que lhe permita ganhar as eleições e dão por vencedores [Alberto] Fernández-[Cristina Kirchner] Fernández.
Aqui há que incluir uma evidência: o crescimento da fórmula Lavagna-Urtubey1, que algumas sondagens privadas supõem que pode chegar a duplicar a votação de 11 de agosto passado. Se assim for, o que está por ver, surge a pergunta: de onde vêm esses votos? O macrismo queria que viessem do peronismo, algo que parece difícil de comprovar. Pelo contrário, tudo indica que há uma tendência a um voto envergonhado de quem em 2015 e 2017 votou Cambiemos (Macri) e agora se inclina pelo Consenso Federal.
Isto ficou evidente em numerosos programas televisivos e de rádio em que os entrevistados, e não poucos entrevistadores, confessaram publicamente esta mudança de preferências. Diz-se que tem apoio importante, também, entre os funcionários da banca privada e entre setores docentes da província de Buenos Aires, que estão muito desiludidos com Macri e em confronto com Vidal2, mas que se lembram das suas lutas contra Scioli3. Há que acrescentar que no início, Lavagna era o candidato natural do chamado “círculo vermelho”4.
A brecha
Isto levanta a incógnita: a brecha entre as duas fórmulas maioritárias irá ampliar-se ou, pelo contrário, reduzir-se-á em relação às primárias de 11 de agosto (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias – PASO)? Se essa brecha se reduzir, será considerada um triunfo pelo oficialismo, já que fortalecerá uma futura bancada parlamentar de Juntos por el Cambio. Pelo contrário, se se ampliar poderá ser uma verdadeira catástrofe que porá em risco a própria coligação. A eleição em Mendoza do domingo passado pareceu apontar na primeira direção, mas foi uma eleição totalmente local5.
O FMI de forma unilateral suspendeu as relações com o país até que se conheçam os resultados eleitorais de 27 próximo.
No plano económico financeiro temos duas certezas. Uma é que o FMI de forma unilateral suspendeu as relações com o país até que se conheçam os resultados eleitorais de 27 próximo. Então decidirá o ansiado desembolso de 5.400 milhões de dólares, que quer discutir com a próxima equipa governativa ao assinar um novo acordo, veremos com que condições.
Outra certeza é que a economia real continua em queda. A produção industrial, a construção, o consumo, o comércio, a intermediação financeira, as transações imobiliárias, todas estas variáveis mostram números negativos, que em alguns casos estão em 12 e 14 meses consecutivos de queda. Só a atividade agropecuária tem dados positivos. A capacidade instalada ociosa média varia entre 40 e 50 por cento, segundo os ramos. Fecharam milhares de empresas e de lojas.
Os dados publicados pelo INDEC (Instituto Nacional de Estatística e de Censos) correspondentes ao segundo trimestre deste ano mostram o dano social que o modelo de valorização financeira implementado desde 2016 está a causar. O desemprego chegou a 10,6% (2.050.000 pessoas, 250.000 mais que num ano atrás) e o subemprego a 13,1% (2.530.000, 420.000 mais que em 2018). Ao todo 4.580.000 pessoas que têm problemas com o emprego. Os salários reais caíram entre 15 a 20%, metade dos trabalhadores têm rendimentos abaixo do nível de pobreza.
Mais pobres e desiguais
Uma curva de desemprego que cresce e uma de salários e rendimentos populares reais que desce não pode significar mais do que um aumento da pobreza. Assim o mostram os dados correspondentes ao primeiro semestre deste ano, que foram publicados na segunda-feira. A pobreza chegou a 35,4% (15.800.000 pessoas, 3.250.000 mais que há doze meses) e a pobreza extrema a 7,7 por cento (com 1.100.000 de novos pessoas extremamente pobres em relação ao mesmo período de 2018). Segundo o economista Claudio Lozano, no final do terceiro trimestre a taxa de pobreza será de 36,7% e a de pobreza extrema de 8,3 (16.500.000 milhões de pobres e 3.700.000 de pessoas extremamente pobres).
Consequentemente a desigualdade social aumentou. Em junho deste ano, os 10% mais ricos da população apropriavam-se de 31,9% dos rendimentos, enquanto que os 10% mais pobres só receberam 1,6%. A diferença a favor dos primeiros é de 20 vezes. O Coeficiente de Gini, que se utiliza para medir a desigualdade por rendimentos (quanto mais perto de 1, maior a desigualdade) aponta para 0,434 quando há um ano atrás era de 0,422.
Não há qualquer dúvida de que em dezembro próximo todos estes indicadores serão piores.
Mas se estes são os dados das dimensões económico-sociais da crise, a dimensão financeira não é menos dramática. A Argentina entrou em default seletivo – segundo a nova categoria em uso – quando o governo decidiu “reperfilar” parte da dívida de curto prazo, adiando os seus pagamentos por três a seis meses. De forma inédita, o macrismo fez um default da dívida contraída pelo próprio e, além disso, fê-lo na nossa própria moeda. Mas isto só chutou para a frente o problema, ao qual há que somar os vencimentos com o FMI e os da dívida em bónus, além das Leliq6 (notas do Tesouro de sete dias, uma referência do mercado argentino).
Insolvência
Os gurus da City caracterizam a atual crise de dívida como de iliquidez, já que o Estado não conta com os fundos necessários para fazer frente aos vencimentos nos prazos estabelecidos. Mas em paralelo negam que esteja em insolvência. No entanto, se o Estado não tem capacidade de pagar, nem tem uma economia capaz de fazer frente às obrigações futuras, o que é isto senão insolvência?
Tirando a esquerda, todas as opções políticas estão decididas a pagar a dívida, nem sequer se lhes ocorre suspender os pagamentos e pesquisar as manobras do governo central que nestes quatro anos nos custaram milhares de milhões de dólares.
Assim, as margens de manobra do próximo governo são muito estreitas e corre-se o risco de que 2020 seja novamente um ano de recessão. Enquanto isso, o caminho até outubro é um desfiladeiro cheio de potenciais acidentes.
Eduardo Lucita faz parte do colectivo EDI (Economistas de Esquerda).
Publicado em La Arena a 4/10/2019
Reproduzido de Herramienta Socialista
Tradução de Joana Louçã para o Esquerda.net
1 A frente Consenso Federal, que candidatou o ex-ministro da Economia Roberto Lavagna, teve 8,2% nas primárias, o que a tornou a terceira força política do país.
2 María Eugenia Vidal é a atual governadora da Província de Buenos Aires.
3 Daniel Osvaldo Scioli foi vice-presidente da Argentina de Néstor Kirchner entre 2003 e 2007 governador da província de Buenos Aires entre 2007 e 2015.
4 Segundo a própria definição de Macri, que usa esse termo, o círculo vermelho “são os cidadãos que leem os jornais todos os dias, que veem os programas políticos, que sempre estão interatuando connosco.” Ver https://www.lanacion.com.ar/politica/mauricio-macri-explico-que-es-el-ci...
5 Nas eleições para o governo da província de Mendoza, em 27 de setembro, a Frente Cambia Mendoza, ligada a Macri, teve 51,67% dos votos, ampliando o resultado que otivera nas primárias (45,1%), enquanto que a Frente Político y Social Elegí, peronista, com 36,2%, ficou pouco abaixo dos 37,5% das primárias.
6 Uma Letra de Liquidez do Banco Central (Leliq) é como um bónus ou um empréstimo que o Banco Central da Argentina toma aos bancos por uma semana.
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