You are here
Argentina: derrota anunciada de Macri num país destroçado

No próximo domingo realizam-se na Argentina eleições a vários títulos inéditas. Em primeiro lugar, porque já desde agosto que são conhecidos os seus resultados, no que diz respeito à eleição do presidente. De facto, no dia 11 de agosto ocorreram eleições primárias que assinalaram uma pesada derrota do atual presidente Maurício Macri frente ao peronista Alberto Fernández, com uma diferença de 16 pontos. As eleições primárias obrigatórias são uma originalidade argentina que existe desde 2011. São organizadas pela Justiça eleitoral e de participação obrigatória para os eleitores. Estas últimas tiveram 75% de participação do eleitorado.
A diferença tão grande entre os dois candidatos é, concordam todos os analistas, impossível de reverter. Isso significa que, desde esse dia, Macri perdeu qualquer autoridade para governar; mas que, por outro lado, Alberto Fernández ganhou essa legitimidade mas não pode formar governo. Ambos foram obrigados a esperar pelo dia 27 de outubro. Mais: ambos tiveram de prosseguir com as suas campanhas eleitorais, já que a eleição que conta é a do próximo domingo. Um esforço completamente inútil: somente algo completamente inesperado e com as dimensões de uma catástrofe poderia alterar a confirmação do resultado das primárias.
O diário argentino Clarín teve acesso a 29 sondagens realizadas desde a data das primárias até 18 de outubro. Destas, 27 preveem a vitória de Alberto Fernández e por uma diferença maior, sem necessidade de segundo turno.
O fracasso de Macri é um marco importante para a política em todo o continente. O ainda presidente da Argentina era aliado próximo de Trump e de Bolsonaro. A sua derrota enfraquece ambos, num momento em que o presidente norte-americano vive um mau bocado face às investigações que podem chegar ao seu impeachment, e em que o presidente brasileiro está envolvido numa guerra interna que pode esfacelar o seu próprio partido.
A não eleição de Macri significa também a derrota da sua política ultraliberal que levou o país à bancarrota, com custos pesadíssimos para a população. A Argentina que ele deixa ao seu sucessor é um país destroçado e a viver uma tragédia social. As desvalorizações, os aumentos brutais das tarifas dos serviços públicos e a penalização dos rendimentos populares fizeram disparar a pobreza para 35,4%, podendo chegar a 40% no final deste ano. Num dos principais países exportadores de alimentos, existem cinco milhões de pessoas que não têm acesso ao consumo básico. O balanço é devastador e veio também pôr em evidência como o Fundo Monetário Internacional, diante do desastre provocado pelo governo Macri, atuou para tentar salvar o seu aliado local da derrota eleitoral, concedendo-lhe o maior empréstimo de sempre a um país, com entregas de parcelas mais volumosas perto das eleições. Só que nem assim evitaram a débacle eleitoral. A conta final será apresentada ao novo presidente.
Não que Alberto Fernández dê garantias de promover uma reestruturação da dívida, muito menos uma auditoria. Pelo contrário, ele já disse que pagará tudo e que apenas precisa de prazos maiores. O governo do candidato de um peronismo que volta a surgir unificado na Argentina, depois de muitas desavenças, não será nem de perto um governo de esquerda. Mas deixará de haver na Casa Rosada, a sede da Presidência da República em Buenos Aires, um ponto de apoio incondicional a Trump e a Bolsonaro. E isto num momento em que outro incondicional, Sebastián Piñera, passa por grandes dificuldade.
A verdade é que o fracasso das políticas ultraliberais aplicadas por governos latino-americanos após as vitórias eleitorais de partidos conservadores, ultraliberais e até de programas neofascistas, está a ser muito rápido. Na Argentina esse governo não foi além de um mandato.
“América Latina inundada por protestos e levantes”, titulava o Miami Herald de domingo 20 de outubro. “Enquanto Washington se concentra no impeachment, na Síria e nas eleições presidenciais, a América Latina e as Caraíbas, uma vez mais, parecem estar a desmoronar.” O jornal enumera os protestos no Peru, Equador, Haiti e Honduras para afirmar que os sinais de complicações foram ignorados por Washington, ou ficaram perdidos no meio da prioridade dada pela Casa Branca à Venezuela e a Cuba.
A Argentina não teve um levante como o Equador ou o Chile, mas a explicação de fundo da derrota de Macri está na força da resistência da classe trabalhadora contra a ofensiva do governo. Resistência que tem na mobilização feminista um dos seus pólos mais dinâmicos, como ficou demonstrado duas semanas antes das eleições pelo maior encontro feminista jamais realizado no mundo.
Neste dossier, juntamos uma entrevista e artigos de várias proveniências que aprofundam o panorama esboçado acima. Boa leitura!
Add new comment