You are here

Um guião simples para a manhã de segunda-feira

A haver negociações entre o PS e a esquerda, há três dossiês que ficaram por completar: o do SNS, o da lei de bases da habitação e o dos cuidadores informais.

Desligue de tudo, de Rui Rio a prometer que vai ganhar e também cair de pé, a Cristas a comentar o seu próprio discurso de véspera sobre Tancos, de Santos Silva a voltar ao seu gosto de “malhar” na esquerda, de César a pedir a maioria absoluta, afinal já sabia de tudo isso. Olhe, se me faz o obséquio, para o que se deveria passar na próxima segunda-feira de manhã (deixe a noite de domingo, serão os festejos esperados).

E a agenda de segunda-feira é evidente. Ou há negociações do próximo Governo de António Costa com a esquerda ou não há. Se não houver, e é a escolha que o PS, ao longo da sua campanha, tem mostrado preferir, assunto arrumado. Seria a opção de transformar o Governo em comité eleitoral, continuando por anos a fio o registo surpreendente, de tempos recentes, contra os “empecilhos”, mesmo que esses sejam os que garantiram ao PS os acordos de maioria durante os quatro anos recentes. Se fosse preciso apostar, talvez ganhe quem adivinhe este cenário em que o PS, só querendo a maioria absoluta, virará costas à esquerda se não a obtiver. Mas há ainda a outra hipótese, a de haver negociações, caso os resultados eleitorais assim o imponham e o PS rearrume as suas prioridades.

O que ficou por completar

A haver negociações, e sem ser exaustivo nem hierarquizador, creio que há dois grupos de questões que estarão no topo da agenda. As primeiras são as concretizações, difíceis, de dossiês em que houve um esboço de consenso até hoje. Primeiro exemplo, o do SNS. Com a nova lei de bases, começou-se o trabalho, mas as boas intenções não contratam anestesistas nem obstetras, nem médicos de família, nem enfermeiros especialistas, nem reparam equipamentos. Portanto, agora é preciso concretizar um plano de investimento e de contratações, resolver as PPP em prazo de conclusão, iniciar a construção dos novos hospitais. Faltam o dinheiro e as pessoas.

Segundo caso, o da lei de bases da habitação e a esperada revogação da lei Cristas. Outra vez, boas normas, agora falta começar. Será uma escolha difícil, entre um programa mínimo para responder à necessidade dos sem teto, ou um programa ambicioso de oferta de casas para impor rendas mais baixas para todos. O ritmo de um ou de outro dependerá de acesso a fundos estruturais, além do esforço orçamental, e da construção social do programa, mobilizando propriedade pública e cooperando com proprietários sem recursos.

Terceiro exemplo, o dos cuidadores informais. Cumprir a lei será um esforço enorme e, por isso, deve-se começar pelo realizável na Segurança Social, na carreira contributiva de quem cuida dos seus dependentes. O primeiro passo já será um mundo novo de respeito.

E o que falta fazer

A segunda categoria de questões nessa agenda de segunda-feira é mais difícil ainda, e limito-me a alguns exemplos. A lei laboral vai estar no topo dos problemas intrincados. Acabou de ser aprovada, há uma norma em apreciação no Constitucional, a resistência será imensa contra qualquer mudança. Para mais, são várias as questões: período experimental, trabalho por turnos, pagamento de horas extraordinárias, trabalho temporário. E depois outra: se o Governo entrega ao veto patronal o ajustamento do Salário Mínimo Nacional, já terão a vossa resposta, caros leitores, é porque rejeita entendimentos à esquerda. Se os quiser, uma negociação de todas estas questões poderia caminhar para um acordo global.

Segundo problema, de menor dimensão: o estatuto dos CTT. O Governo tem a faca e o queijo na mão, os acionistas foram vorazes e incompetentes e seria uma escolha barata recuperar o controlo da empresa pagando o preço adequado a quem não cumpriu o contrato de concessão.

Finalmente, uma terceira questão, a da transição climática. Por obtusas razões, o Governo recusou a declaração da emergência climática, que lhe foi imposta pelo Parlamento. Mais uma vez, boas intenções. Neste caso, trata-se de rever as datas do fecho das centrais termoelétricas mas também, certamente mais ousado, reduzir o automóvel nas cidades e acelerar a construção, caríssima, das alternativas, a começar pela ferrovia.

Não é pouca agenda? São prioridades sensatas, e haverá mais. O que é evidente é que Portugal não dispensa tal esforço.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 4 de outubro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
Comentários (2)