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Resposta a Manuel Alegre

Caro Manuel Alegre, li com gosto a sua carta no Público. Sei que divulga em todas as eleições um manifesto de apoio ao seu partido e é justo que o faça. Mas, ao tomar-me como alvo, comete dois erros sobre os quais quero conversar consigo.

O primeiro é de facto. Ao reproduzir a frase de António Costa (na formação da geringonça, “o Bloco veio atrás”) avaliza uma versão falsa do que aconteceu. Semanas antes das eleições de 2015, em debate televisivo, coloquei a António Costa três condições para que nos entendêssemos para uma maioria de governo: não congelar as pensões (1660 milhões de euros), não facilitar despedimentos, não reduzir as contribuições patronais para a segurança social (2550 milhões). Sem que o tivesse feito durante quatro anos, António Costa diz agora, para me insultar, que foi “teatro”. O certo é que no sábado de reflexão combinámos que um representante seu, Fernando Medina, se reuniria com uma pessoa indicada por mim, Jorge Costa, para um encontro informal e exploratório, que ocorreu na manhã do domingo das eleições. Ficou então claro que o PS aceitaria as três condições que coloquei e começou-se a conversar sobre salário mínimo, salários, pensões, nacionalizações e outros temas. O enviado do PS, cordial e empenhado, não estava a “fazer teatro”. Nessa noite, quando se abriram os votos, Costa e eu sabíamos que era possível abrir negociações formais para um acordo.

Até percebo que agora, na ânsia eleitoral, ele tenha a deselegância de reduzir este esforço comum a uma corrida para saber quem “veio atrás”. Só que, entre parceiros, isso não se faz. Por isso, digo ao secretário-geral do PS que quem triunfa, como nós conseguimos juntos nestes quatro anos, não se rebaixa à hostilização de um aliado com uma ficção sobre como nos aproximámos.

O segundo erro do seu texto, caro amigo, é sobre o contexto destas eleições. Não gostou da minha frase sobre a disputa entre o PS e a esquerda. Reconhecerá em todo o caso que foi Costa quem, na sua primeira entrevista de campanha, explicou que um Bloco forte significaria “ingovernabilidade”, e outros dirigentes encarregaram-se de multiplicar os apelos contra os “devaneios” deste “empecilho” ou alertas sobre a “prisão” que um acordo com a esquerda imporia. Dispenso-me de fazer a lista, por ser evidente demais que a estratégia do PS é atacar o Bloco. Essa escolha estratégica não lhe passou por certo despercebida. Chega aliás ao paradoxo: Centeno acusa-nos de irresponsabilidade por propormos uma forma de reestruturação da dívida que é precisamente a que assinamos há dois anos, o PS e o Bloco, com a participação do Ministério das Finanças. O PS mostra que está zangado com os últimos quatro anos, o Bloco elogia cada um dos avanços que conseguimos em conjunto.

A minha resposta é que a questão é mesmo entre o PS, que quer maioria absoluta para se ver livre dos “empecilhos”, e a esquerda, que quer um governo com mais exigência nos próximos quatro anos. Por isso, o PS recusa acordos, o Bloco estabelece pontes. O PS pede poder absoluto, o Bloco quer entendimentos para medidas. Sim, há uma escolha entre o PS e as esquerdas, ou entre a maioria absoluta que o PS deseja e as soluções que as esquerdas defendem.

Quando o Bloco apresenta propostas para defender o SNS, recuperar o pagamento das horas extraordinárias ou salvar os CTT, Costa chama-lhes “ingovernabilidade”. Mas, caro Manuel Alegre, essas tricas partidárias são irrelevantes. No fim do dia, o que conta é mesmo saber qual vai ser o governo: o que, como Arnaut e Semedo queriam, recusa as parcerias público-privado nos hospitais públicos ou o que estabelece o período experimental que as associações patronais festejam.

Despeço-me concordando num ponto consigo. O meu amigo lembra quem apelava ao voto no PS, “mesmo se ele não merece”. O voto no Bloco, em contrapartida, virá de quem entende que o merecemos em nome de uma maioria que defenda o nosso povo.

Artigo publicado em expresso.pt a 24 de setembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Atriz.
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