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Limites da Social-Democracia

Social-democracia parece ter (re)entrado no vocabulário político do período pré-eleitoral. Não será muito interessante discutir a espuma das declarações, por muito risíveis que sejam como no caso de Marques Mendes, mas vale a pena precisar conceitos.

Neste texto entende-se como Social-democracia a corrente política e os partidos filiados na Internacional Socialista, partidos que em Portugal incluem o PS, mas excluem o PSD, filiado na “internacional da direita”, o PPE. A caraterística mais marcante desta corrente é a defesa de que as transformações sociais serão resultantes de reformas e não de um processo revolucionário. Berstein no Partido Social Democrata Alemão de finais do século XIX, ou um pouco mais tarde Kaustky (este também em oposição à Revolução Bolchevique) estabeleceram as bases teóricas do que viria a ser a prática de partidos como o SPD e a Social Democracia Nórdica. Tirando o chapéu a Francisco Assis que o citou, Anthony Crossland, um histórico dirigente e intelectual do Partido Trabalhista britânico, fazia a seguinte definição, nos anos 50 do século passado: social-democracia= liberalismo político + economia mista + Estado Providência + política económica keynesiana + promoção da igualdade. Assis é o lado mais à direita da social democracia portuguesa, mas esta definição é interessante e já está longe de vias pacíficas para qualquer forma de socialismo. Porém vale a pena ver se esta expressão mantém atualidade, ou, se pelo contrário, se afasta da prática de partidos socialistas e social democratas. Tendo havido em Portugal um processo revolucionário, nos anos 70, e mais recentemente um processo de enorme ataque a direitos laborais e tudo o que sejam direitos sociais, podemos testar os limites dessa social democracia.

Os primeiros sinais são dos tempos imediatamente posteriores ao PREC, já com o VI governo provisório e posteriormente com o 1º Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares, ficou bem claro que as transformações sociais de 1974/1975 tinham ultrapassado o limitado programa da Social-democracia portuguesa. O “Socialismo na Gaveta” que Mário Soares proclamou não se limitou a congelar mudanças, mas foi sobretudo um processo de contra revolução.

Uma das suas frentes foi a luta contra a Reforma Agrária que tinha começado com a ocupação de grandes herdades no Alentejo. Desocupar e indemnizar os latifundiários geralmente absentistas foi o objeto da famosa “Lei Barreto”. Porém não se ficou por aqui direitos laborais também foram atacados, assim como se procedeu a uma enorme queda do poder de compra, na sequência de acordos com o FMI.

Curiosamente, após aquilo que entendiam como sendo o início, ou pelo menos a ameaça de uma ditadura comunista, as questões políticas e de democracia não estiveram particularmente na ordem do dia. Parece que a tal ditadura se limitava à reforma agrária, a direitos laborais e a algumas nacionalizações que foram sendo revertidas.

Do ponto de vista político é a altura da “grande direita” unida à volta da primeira candidatura de Eanes, posteriormente da coligação com o CDS. Este encostar à direita iria ser o essencial da política do PS até 2015. Soares, Guterres, Sócrates, para falar nos primeiros ministros filiados no PS desenvolveram, no essencial políticas de gestão do sistema capitalista, sem grandes passos para o “socialismo”, nem sequer para a social-democracia tal como definida por Crossland. Há, claro, o Serviço Nacional de Saúde, as estatísticas mostram que com governos PS há uma ligeira diminuição das desigualdades, mas não o suficiente para fazer verdadeiramente a diferença.

Com Sócrates tudo se agrava. Se há políticas de investimento público, estas são postas ao serviço dos negócios e não das populações, do ponto de vista ecológico há a grande contradição entre o investimento em energias renováveis e o esquecimento dos transportes coletivos. Direitos dos trabalhadores, nomeadamente dos do estado são novamente atacados. Mais emblemático foi o ataque aos professores que viram os horários de trabalho aumentados, os salários reais reduzidos e o seu número reduzido substancialmente. Foram seis anos em que a principal marca foi o pragmatismo, com obras públicas faraónicas (a partir de 2008), mas nunca uma política virada para a igualdade.

A prova final dos governos de Sócrates veio da sua resposta à crise, primeiro à do Subprime em 2008, depois a das dívidas soberanas que acabou por ditar o fim do seu governo e o início dos anos negros da PàF (Coligação entre o PSD e o CDS). As respostas fizeram-se sempre à direita. Em 2008 foi num crescimento do investimento em obras públicas, por vezes de utilidade duvidosa. A lógica era gastar dinheiro, sem uma preocupação real de perceber a sua utilidade. Já em 2011 a lógica foi a típica da direita e que iria ser continuada por Passos Coelho, cortes salariais e nos serviços públicos.

Os anos negros da PàF e da Troika vieram criar uma nova situação, apesar de muitas hesitações e até conivências, o PS acaba por ficar numa oposição completa à direita, sem possibilidade de alianças. O resultado eleitoral em que a única possibilidade de regresso ao poder por parte do PS era uma aliança à esquerda ditou a “geringonça” que não fazia parte dos planos do PS, nem condizia com a sua história.

A história do governo de António Costa é fácil de resumir, as medidas de recuperação de rendimentos (que programaticamente era a principal tarefa do governo) foram-se fazendo, mas de forma sempre mais tardia que o previsto e necessário, e debaixo de grande pressão à esquerda. Algumas nunca chegaram a acontecer, recuperação de dias de férias na administração pública, devolução de tempo de serviço nos corpos especiais da administração pública, entre outras. No setor privado foram as leis laborais da PàF que, mesmo no fim da legislatura, acabaram por não ser revogadas. Mas ninguém se esquece dos muitos milhares de milhões concedidos à banca sem que houvesse uma ação sobre os banqueiros ou alterações na ineficaz supervisão. As privatizações também ficaram bastante intocadas.

Na relação com greves e grevistas o governo acabou por mostrar o seu lado mais obscuro e direitista. Professores, enfermeiros e camionistas foram alvos de ataques combinados que envolviam divulgação de salários (reais, distorcidos ou falseados) para desvalorizar as reivindicações, ataques a dirigentes ou a pessoas ligadas aos sindicatos e passaram por limitações severas do direito à greve. A base destas limitações está numa lei de Vasco Gonçalves que, curiosamente, nunca foi revogada. No caso dos estivadores houve mesmo a situação de ter a polícia a proteger os fura-greves que (contrariando a lei da greve) vieram de outros portos para Setúbal. O PS thatcherista que já se tinha mostrado na altura de Sócrates, apareceu em todo o esplendor para favorecer o patronato (camionistas) ou o capitalismo internacional (estivadores).

O que podemos concluir (este pequeno texto dava um livro) é que a Social Democracia na sua versão portuguesa tenta apenas gerir o capitalismo de uma forma um pouco mais moderada e humana. Não existe sequer uma resposta aos problemas laborais tradicionais, o governo limita-se a ser o eco de uma concertação social dominada por patrões e sindicatos minoritários. As novas questões suscitadas pela globalização, pela desregulamentação ou pelas gigantes que geram milhões com poucos trabalhadores, não são sequer pensadas. Pode-se mesmo dizer que não existe um pensamento político que passe da gestão do imediato ou de um pragmatismo desenvolvimentista.

Com eleições à porta o PS começou por pedir a maioria absoluta, depois percebeu que a pedir era má tática e passou a não a pedir, mas o objetivo tem sido afirmado por vários dirigentes a vontade de governar “sem empecilhos”, leia-se sem ter que negociar à esquerda. Isto seria a forma de fazer as “reformas” necessárias. As reformas, o que os “empecilhos” podem ter dificultado nunca é dito, mas parece claro que o sentido dessas reformas é o oposto do que foi feito nesta legislatura com muita pressão à esquerda. Não admira que a ideia de maioria absoluta do PS agrade a certa direita.

O que se pode concluir é que a social-democracia atual, na sua versão portuguesa, há muito tempo que abandonou a ideia de transformar a sociedade, que nem sequer pretende uma diminuição grande das desigualdades sociais (e Portugal é dos países mais desiguais da Europa). Limita-se, e de uma forma moderada, a tentar limitar os efeitos mais pesados do capitalismo. Não pode ir muito longe, a sua ligação ao mundo dos negócios, em especial aos que fazem negócios com o estado, é maior que a sua ligação ao mundo laboral.

Sobre o/a autor(a)

Investigador de CIES/IUL
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