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Escolas sem amianto

As fibras de amianto são tão pequenas que não ficam apenas no aparelho respiratório: chegam às células, originando mutações que provocam células cancerígenas.

Em semana de regresso às aulas, o calendário escolar confunde-se inevitavelmente com o calendário eleitoral. Não é apenas porque um início de ano letivo mais atribulado pode ser avaliado em eleições, mas também porque as comunidades escolares, alunos e docentes se interessam e participam no debate das propostas sobre educação.

É um escrutínio importante que favorece a prestação de contas e permite escolhas mais conscientes, a democracia agradece. Num desses momentos, além dos debates organizados por federações sindicais, universidades e estudantes, recebi o convite para participar numa sessão organizada pelo Movimento Escolas Sem Amianto em Loures.

Criado a partir da união de ex e atuais alunos, professores e encarregados de educação de quatro agrupamentos de escolas, o movimento nasceu para reivindicar a remoção do amianto das suas escolas e foi crescendo para dimensões de campanha nacional.

Uma das razões foi terem-se deparado com uma falta de informação generalizada sobre este “veneno”. O painel de especialistas que falou na sessão em que participei deixou muito claro o quanto se pode desconhecer sobre uma substância que está proibida desde 2005. O que ouvimos provocaria sintomas imaginários ao mais cético dos anti-hipocondríacos.

O amianto é um produto de origem natural, uma fibra mineral extraída de rochas. Como material, possui características quase perfeitas: é maleável, resistente, isolante, antifúngico e tudo o mais que possam imaginar, com a enorme vantagem adicional de ser resistente ao fogo. Essas características fizeram com que fosse utilizado em massa durante muitos anos, em particular entre os anos 1940 e 2005.

O amianto não está apenas nas telhas de fibrocimento que nos habituámos a reconhecer. Desde pastilhas de travões para carros, componentes de eletrodomésticos, cortinados, revestimentos, estuques, tintas, chão vinílico, luvas de cozinha, etc., etc., etc., quase todos os materiais que podiam ser misturados com amianto foram. O problema, veio a saber-se mais tarde, é que tendo o amianto apenas uma desvantagem, ela não é pequena: o amianto é fatal para os seres humanos.

As fibras de amianto são tão pequenas que não ficam apenas no aparelho respiratório: chegam às células, originando mutações que provocam células cancerígenas. Por ter efeitos muito diferidos no tempo, não se sabe exatamente quantas mortes podem ser associadas diretamente à inalação de amianto. No entanto, a Organização Mundial da Saúde não conhece níveis de toxicidade abaixo dos quais não há risco cancerígeno.

É, portanto, um risco difícil de monitorizar e a única solução eficaz é a remoção. A pouca consciência da população sobre estes factos dificulta bastante este trabalho. Poucos de nós conseguem identificar se um material contém ou não amianto e muito menos se estamos a libertar as suas fibras ao fazer um buraco na parede com um berbequim.

Longe de querer lançar o pânico, a verdade é que a humanidade utilizou muitos produtos que mais tarde descobriu serem nocivos. Algumas gerações tiveram de conviver com eles. A substituição de materiais e o cuidado com materiais danificados diminuíram bastante a nossa possível exposição.

A questão é se estamos a fazer tudo o que podemos para diminuir a exposição massiva a um produto altamente cancerígeno. Ainda há 3739 edifícios públicos com amianto e uma parte significativa são escolas frequentadas por milhares de alunos, professores e trabalhadores durante anos.

Apesar de ter aumentado o número de intervenções de remoção, o atual Governo nunca fez nem divulgou um calendário de prioridades com a previsão de remoções que tranquilizasse as comunidades escolares. Essa foi uma proposta constante, e não apenas do Bloco de Esquerda, que nunca foi atendida.

A seriedade do assunto exigiria um programa estratégico de intervenções nas escolas. Mas a circunstância de ter de se pedir autorização ao ministro das Finanças, que autoriza ou engaveta cada intervenção de acordo com a previsão de superávite desse mês, não favorece compromissos orçamentais.

É bom realinhar prioridades. Ninguém espera que se faça tudo de uma vez. Mas é essencial ter a capacidade de planear investimento na escola pública, calendarizar e orçamentar. É isso que propomos no nosso programa eleitoral – a existência de um Programa Estratégico de Requalificação da Escola Pública – e foi esse o compromisso que assumimos com o movimento de Loures. Se muitas vozes se juntarem, teremos finalmente um pacto nacional sobre educação: Escolas Sem Amianto.

Artigo publicado no jornal “I” a 12 de setembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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