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Bom dia fascismo

O caminho para o fecho político da sociedade parece inexorável. Agora ainda mais com a necessidade de defesa dos golpistas em relação às informações divulgadas e por divulgar.

O preço da verdade

Se é verdade que a #Vazajato tem lavado a alma à democracia brasileira também não é menos verdade que passados 45 dias dos primeiros vazamentos, Moro não saiu do cargo de Ministro da Justiça, Dallagnol não foi afastado do Ministério Público Federal (MPF), Lula continua preso e Queiroz continua dançando em liberdade. A vinda a público da verdade tenebrosa escondida no sistema judiciário brasileiro não trouxe nenhuma mudança nas estruturas golpistas a não ser o acerto entre as várias fações no poder para acelerar a agenda política e económica.

O presidente da câmara de deputados, Rodrigo Maia (DEM), que se encontrava revoltado com o governo após Moro mandar prender seu sogro (Moreira Franco) juntamente com Temer há 4 meses atrás, encabeçou um processo de tramitação na câmara dos deputados que veio a culminar na aprovação em primeiro turno da proposta de reforma da previdência. Esta aprovação teve muitos apoios: a base do governo, votos vindos de indecisos que se mobilizaram após receber uns largos milhões de reais em Emendas Parlamentares (dinheiro destinado legalmente para parlamentares para seu uso direto e com muito menos escrutínio que outras verbas públicas recebidas, normalmente usadas para cativar e aumentar a base eleitoral dos seus círculos), o coro exaustivo dos média tradicionais com a cartilha do mercado e uma campanha massiva de fake news.

Salienta-se ainda mais a velocidade em que correu o processo de discussão e votação, levando sessões pela madrugada dentro, aproveitando para aprovar as piores e mais descaradas medidas durante essas tardias e pouco acompanhadas discussões (como foi o perdão dado ao agronegócio de 86 mil milhões de reais).

Num sistema político complexo marcado pelas tramitações demoradas e num quadro político conflituoso, seria de esperar que todos quisessem marcar a sua posição e interesses durante a discussão de uma proposta que envolve o futuro de uma nação inteira e que em termos imediatos transfere cerca de 1 bilião [em português de Portugal, ou seja um milhão de milhões] de reais da segurança social dos trabalhadores para a banca. E assim seria, não fosse o aparecimento da #Vazajato, que precipitou todos os processos em curso, os de decisão económica e política. Foi entendido pelos diversos grupos que formam o poder atual que é urgente acelerar o programa antes que novas revelações apareçam e periguem o desenrolar do projeto.

Mas se a economia abre-se ao liberalismo selvagem com grande apoio no congresso nacional, a política fecha-se cada vez mais em torno do poder de Bolsonaro e Moro, criando atritos e desconvocando apoios em diversas áreas, em particular no judiciário, que Moro procura controlar como se da operação lava jato se tratasse.

As cartas de Moro

Ainda como juiz, Sérgio lançou-se na política em 2014 e logo mostrou ao que vinha: moralizar sozinho a vida pública do país.

Num país em que a corrupção funciona como mais um meio de construção de desigualdade económica e que manda em todas as esferas do poder, do municipal ao federal, do público ao privado, esta proposta de “limpar” a vida política teve enorme aceitação numa população cansada de corrupção e afastada dos benefícios económicos que um país rico como o Brasil pode proporcionar. Cresceu a admiração social por Moro e o encanto das elites por ele poder ser o mensageiro que faltava para finalmente retomar o caminho neoliberal.

Desde então os seus conhecidos métodos têm conduzido o judiciário brasileiro a uma fase de exceção. Usar a justiça para perseguir adversários e objetivos políticos, fazendo da Constituição e do Código de Processo Penal plasticinas jurídicas em que se vão extraindo partes que ornamentem legalmente as suas decisões; tem constrangido todo sistema judiciário brasileiro, levando-o a uma desmoralização sem precedentes na história recente do país. Moro ganhou um ascendente estranho sobre as elites brasileiras em pouco tempo, submetendo todas as instâncias judiciárias às suas decisões, das mais regulares às mais abusivas. Mas o que leva todo um sistema a se curvar a um ex-juiz de primeira instância? Palpitam três motivos.

Este ascendente parte de uma inclinação ideológica neoliberal (claramente pró americana) que tomou conta do judiciário brasileiro e que se tornou quase uma questão identitária anti PT. Com todas as diferenças, algo unia o judiciário brasileiro, a rejeição do PT e o apoio a um projeto político e económico neoliberal.

O segundo motivo revela-se melhor agora com o processo #Vazajato em andamento. Perante as denúncias da imprensa, Moro para salvar o seu projeto de poder, recorre a todos os meios de coação e ameaça ao seu dispor. Começou por desenvolver uma narrativa em torno de um ataque cibernético aos telemóveis dos envolvidos na força tarefa lava jato, procurando relacionar de alguma forma os jornalistas que estão a publicar as matérias com algum tipo de ilegalidade. Mais que intimidar, criminalizar e prender jornalistas, Moro pretende a invalidação legal dos conteúdos para que não possam ser publicados e estacar assim a informação.

Após a prisão dos supostos hackers, Moro afirma estar na posse de mais de mil hackeamentos, efetuando alguns telefonemas a algumas pessoas hackeadas, “tranquilizando-as” que irá destruir os conteúdos. Imagina-se qual o poder de uma pessoa que tem o conteúdo de telemóveis de mais de mil pessoas das elites políticas, jurídicas e financeiras do país e qual o peso da ameaça. Já não se imagina é que um terrorista cibernético caipira tenha conseguido tal conteúdo, sendo a viagem mistério efetuada por Moro aos E.U.A. na passada semana como a fonte mais provável das preciosas informações.

O terceiro motivo prende-se com as últimas matérias divulgadas pelo The Intercept Brasil este fim de semana (26 de Julho). A empresa XP Investimentos, do grupo ITAU, realizou reuniões secretas entre representantes dos maiores bancos mundiais e o responsável pela força tarefa lava jato, o procurador federal Deltan Dallagnol. Também (para já) um juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux fez um encontro confidencial com o mercado financeiro. O tema dos encontros: Lava jato e eleições. Palpita-se que os CEOs presentes na reunião estariam interessados em informações privilegiadas sobre o andamento dos processos judiciais e garantir que o processo de candidatura do Lula que se encontrava na justiça eleitoral tivesse o desfecho a seu contento: a impossibilidade de Lula concorrer às eleições. Recorde-se que na altura Luiz Fux era o presidente do Tribunal Superior Eleitoral e que passou diretamente por ele a decisão sobre a candidatura de Lula. Mais tarde, já em campanha eleitoral e Fux já no TSF, foi o próprio que vetou a possibilidade de Lula falar com a imprensa após uma decisão favorável de o juiz Lewandowski (seu colega no TSF) nesse sentido.

Quem pensava que um juiz de primeira instância (mesmo com as suas relações privilegiadas com os EUA) tinha unhas para tocar uma viola de muitos biiliões de dólares chamado Brasil. Começa agora a ver-se quem puxava (e puxa) as cordas que vão articulando as marionetes bem pagas do congresso e judiciário brasileiros. Começa a escutar-se a voz do dono.

O valor do fascismo

O caminho para o fecho político da sociedade parece inexorável. Agora ainda mais com a necessidade de defesa dos golpistas em relação às informações divulgadas e por divulgar.

Se havia um largo consenso na esfera política quanto à aplicação da cartilha neoliberal, indo no congresso do PSL (partido de Jair Bolsonaro e o mais à direita no congresso) até parte do PDT (partido do candidato à presidência em 2018 Ciro Gomes, considerado de centro esquerda); já a forma como ela seria aplicada era divergente. Uns queriam manter uma aparência democrática de todo o processo, recuperando o consenso da democracia burguesa atingido após 84, outros queriam seguir a via mais dura, obedecendo mais à agenda presidencial. Hoje, com o surgimento da #Vazajato, a política terá que se fechar para garantir a aplicação da agenda económica que trará a curto trecho lucros trilionários para o mercado.

O Brasil tem uma dimensão económica global, sendo um dos países com maiores recursos naturais e económicos do mundo. Numa fase em que reinou a desorientação política, os EUA e suas mega corporações não deixaram passar a oportunidade de realinhar o Brasil aos seus interesses, procurando manter a sua predominância económica e política no mundo. Algo que a lava jato se mostrou indispensável para desenvolver.

O eixo brasileiro volta-se novamente para o seu irmão grande do norte, num processo de subducção política, económica e cultural; fazendo reviver um sonho antigo das elites brasileiras: ser capacho do Tio Sam.

Mas para que todo o projeto se consolide, a #Vazajato tem de se calar, as manifestações e greves têm de deixar de existir, a oposição tem que deixar de escrutinar e fiscalizar. O sistema tem de se fechar. Agora mais rapidamente e com maior consenso entre os representantes do projeto neoliberal.

Cá estaremos para cumprimentar a nova ordem política e social.

Sobre o/a autor(a)

Diretor Executivo na área da publicidade (São Paulo - Brasil)
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