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Tourada, inimiga da democracia

A tourada, para além de ser um negócio que se alimenta do sofrimento animal, é igualmente uma atividade defendida por políticos assumidamente conservadores e associada a determinadas ideias e ações, que iremos tentar ilustrar ao longo deste texto.
Cartaz feito por Filipa Carmo - Fotografia de Cláudia Neves durante uma manif em Santarém

Comecemos pelo partido espanhol Vox, um partido de extrema direita que opta por ter candidatos que vão desde generais apoiantes da ditadura franquista até toureiros. O seu líder considera as touradas “uma forma de arte intimamente ligada à identidade espanhola”, é um apoiante da caça desportiva e entende que as famílias espanholas se devem poder defender com armas de fogo1. Um apoiante do partido decidiu divulgar nas redes sociais uma fotografia com 58 coelhos mortos que formam o nome do partido.2

Em Portugal, foi durante o período do estado novo que as touradas mais foram incentivadas pelo poder político. Foi nesta altura que se construíram as praças de touros de Beja, Póvoa do Varzim, Moita, Almeirim, Montijo, Cascais, Santarém e Coruche. Salazar participou até numa corrida de touros em homenagem ao ditador espanhol Franco, no ano de 19493.

O executivo municipal de Santarém é confesso apoiante de touradas. A mesma vereadora (da cultura, eleita pelo PSD) que anunciou 20 mil euros do erário público para financiar touradas, assim que viu uma página nas redes sociais (de cariz claramente humorístico, note-se) caricaturando a sua imagem em vários contextos distintos, os chamados “memes”, decidiu por bem apresentar queixa contra desconhecidos, num ato de perseguição a quem criou a página. Alguém pode informar a vereadora que já não existe censura em pleno século XXI, mas que a consciência e a evolução sobre o que é o sofrimento animal, essa sim existe, e veio para ficar?4

Durante a manifestação de Santarém foi possível presenciar inúmeras ofensas direcionadas a manifestantes do sexo feminino recorrendo a insultos de cariz sexual e puramente machista. Aos manifestantes do sexo masculino escolheram optar por recorrer à homofobia como tentativa de inferiorização e denegrição dos mesmos.

No dia 7 de julho, em Porto de Mós, verificaram-se mais uma vez reações de extrema violência, não só verbais mas físicas, por parte de aficionados a uma manifestação pacífica contra a tauromaquia. Foram rasgados cartazes, uma manifestante foi agredida e até houve lugar para o furto de um telemóvel. A GNR, que foi devidamente informada sobre a manifestação, nem sempre conteve as ameaças e agressões a tempo de prevenir tais incidentes, o que também lamentamos5.

Em ambas as manifestações acima referenciadas, os defensores da tauromaquia decidiram utilizar carrinhas de propaganda com altos megafones apontados estrategicamente contra a manifestação em tentativa de silenciar os vários civis que cumpriam o seu direito democrático de protesto naquele dia, àquela hora. Uma demonstração bastante democrática e civilizada da parte dos amantes da tourada e o seu apreço pela liberdade de expressão.

Mais exemplos poderiam ser apontados para ilustrar as ideias e atitudes que são cultivadas no seio desta atividade, que continua a sobreviver com o chavão da tão aclamada “tradição”. Muitos argumentos podíamos tecer neste texto para desmontar a ideia de que essa palavra, esse título, esse chavão, basta para manter uma prática que lucra com o sofrimento e a brutalidade, mas em vez disso, questionamos até que ponto essa tradição não anda de mão dada com outras “tradições”. Outros costumes antigos que infelizmente ainda nos são tão presentes. Será que também pretendem conservar o machismo, a misoginia, a homofobia, as hierarquias vincadas e o culto da autoridade?


Notas:

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