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Uma sombra negra continua a pairar sobre a Ibéria

Os riscos do nuclear e do urânio impendem sobre os nossos territórios e sobre as nossas gentes.

1. A central nuclear de Almaraz, junto ao Tejo e perto da fronteira portuguesa, parece estar no lado sombra da Lua, depois de há algum tempo ter estado nas primeiras páginas. E, todavia, “si muove...”.

As empresas proprietárias da central acordaram com o Governo espanhol o prolongamento da sua atividade para além dos 40 anos de vida das instalações. Fizeram-no e utilizaram uma habilidade. Prolongam mais seis anos e meio (reator 1) e mais sete anos e meio (reator 2), com base na contagem das paragens forçadas por incidentes ou previstas para recargas e outros detalhes que são de cerca de um mês por ano.

Se os perigos decorrentes da operação nuclear já eram elevados, com o prolongamento do tempo de vida útil da central agravar-se-ão.

Entretanto, somos surpreendidos por notícias que referem que as empresas apresentaram uma petição para ampliar o famigerado ATI (armazém temporário de resíduos nucleares), também em Almaraz. Pois se essa licença for para a frente, temos que exigir às autoridades espanholas, agora ainda com mais razão, uma avaliação de impacto ambiental transfronteiriça, já que a que foi (mal) feita, foi para outra tonelagem e para outros resíduos.

2. É imprescindível exigir do Governo espanhol (e, claro, do português!) informação sobre o estado preocupante da represa de Arrocampo, no Tejo, que recebe as águas de Almaraz. Desde logo inquieta-nos, nestes tempos de alterações climáticas e de crescente escassez hídrica, a possibilidade (que tem ocorrido em França) do volume de água desta não ser suficiente para os serviços básicos dos reatores.

Com o agravamento dos riscos decorrentes do prolongamento da operação em Almaraz, a par do mau estado da represa, é preciso saber a frequência das escorrências desta para o Tejo e quais os controles realmente efetuados.

Tem sido feita a dragagem dos lodos contaminados, dos seus fundos; quando será feita e o que se pensa fazer com esses lodos contaminados? O Governo português tem conhecimento das medidas previstas para a hipótese de ruptura na barragem, a montante, de Valdecañas? Qual é a situação da Revisão Periódica de Segurança relativa a Almaraz, obrigatória nos termos dos convénios internacionais?

3. Mais perto da nossa fronteira, quase em cima, estão as minas de urânio de Retortillo-Santidad e a jazida de Alameda de Gardon (a 5 km!). As autoridades espanholas informaram sobre qual é o estado atual dos licenciamentos, seja para a exploração das jazidas, seja para a fábrica de concentrados, e quais os estudos de impacto previstos e, mais uma vez, se continuamos a ser só paisagem?

Por que razão foi aprovado um Plano de Vigilância Radiológica para estes territórios e, mais uma vez, qual foi o papel que neste tiveram as autoridades portuguesas?

4. Não é só em Salamanca que os riscos estão presentes. Num afluente do Guadiana e de Alqueva, o Alcarrache (já imaginaram o risco de um azeite radioactivo?), a uma dezena de quilómetros de Mourão, prepara-se a prospeção de urânio.

Toda a raia extremenha está em estado de choque, e também o Alentejo.

Trata-se de uma grave ameaça às populações, à “dehesa”, o nosso montado, aos produtos de origem local, como o presunto, o queijo e o mel, as oliveiras e sobreiros, além da bolota das azinheiras que fazem os produtos “enchidos”. O turismo de natureza, os percursos de contrabando, as observações de espécies, as festas da região, tudo isto está, como mais a norte, sob a espada de Dâmocles.

Nenhum investimento pode ser feito sob esta ameaça, não se pode revitalizar estas zonas tão depauperadas quando ao lado estão as sombras das escórias radioactivas, dos gases cancerígenos, dos movimentos de toneladas, muitas toneladas de terras carregadas de produtos tóxicos e altamente contaminantes.

Será que as nossas autoridades foram informadas desta situação? Será que mais uma vez somos tratados como se a Oeste da fronteira espanhola existisse uma espécie de vazio absoluto, nada?

Os riscos do nuclear e do urânio impendem sobre os nossos territórios e sobre as nossas gentes. O Governo português não pode continuar com uma atitude subserviente e a fingir que ignora – é que isto não são trovas, estas são sombras negras que pairam.

Artigo publicado no jornal “Público” em 22 de julho de 2019

Sobre o/a autor(a)

António Eloy é coordenador do Observatório Ibérico de Energia; José María G. Mazón é ex-presidente e coordenador de energia da Adenex (Associação para a Defesa da Natureza da Extremadura); Pedro Soares é deputado do Bloco de Esquerda e presidente da Comissão Parlamentar de Ambiente
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