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Quanto custa um deputado brasileiro? Vinte milhões de reais

O método Bolsonaro é comprar os votos com dinheiro para as campanhas eleitorais dos deputados fiéis (e também para estes embolsarem de várias formas, através de empresas e familiares).

A reforma do sistema de segurança social no Brasil tem sido o fantasma fora do armário desde há muitos anos. A primeira tentativa, ainda no tempo dos primeiros governos do PT, provocou o afastamento de alguns deputados que recusaram a estratégia de aumento da idade da reforma e redução das pensões, mas a reconfiguração então aprovada não foi considerada suficiente e Temer, o Presidente que ocupou o lugar depois do golpe contra Dilma, relançou a discussão com uma nova lei mais radical. Não a conseguiu fazer aprovar e o dossiê passou para as mãos de Bolsonaro e para o seu ministro das finanças, Paulo Guedes, um liberal dos quatro costados. A nova equipa considerou que a poupança orçamental com a sua nova reforma seria o alfa e ómega do plano financeiro a médio prazo.

O problema é que, na direita que apoia o novo governo, há muitas reservas a esta reforma, dado que aquela quer assegurar a proteção de interesses particulares, sobretudo a dos regimes de privilégio dos militares e polícias (reforma completa aos cinquenta anos ou com trinta de serviço). Mas, como isso é impopular no tempo em que é aumentada a idade da reforma para a generalidade da população, a aprovação da reforma não estava garantida e comprovou-se nas últimas semanas que os obstáculos são de monta (as votações foram interrompidas quando não estava assegurada a maioria para algumas das medidas e a votação final acabou por ser adiada para depois das férias parlamentares).

Entretanto, Bolsonaro decidiu lançar uma chuva milionária sobre o Parlamento para conseguir confirmar a sua maioria. Prometeu que cada deputado que aprovasse a lei receberia uma verba orçamental de 20 milhões de reais, cerca de cinco milhões de euros, para gerir em aplicações na sua região. O total são cerca de 5,6 mil milhões de reais, ou algo mais do que mil milhões de euros (um quinto desse valor já está em pagamento). Segundo a “Folha de São Paulo”, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi ao Parlamento confirmar o compromisso do Presidente.

Quando voltar o debate sobre a proposta de eleger os deputados em círculos uninominais em Portugal, convém que nos lembremos deste exemplo brasileiro, que revela uma espécie de caso Daniel Campelo em versão monumental. O método Bolsonaro é comprar os votos com dinheiro para as campanhas eleitorais dos deputados fiéis (e também para estes embolsarem de várias formas, através de empresas e familiares). Este é o caminho inevitável da individualização do poder de representação: passa a haver (ou a acentuar-se) um mercado do voto. Só com um modelo deste tipo é que se naturaliza o tráfico de influências como o modo de ser da vida parlamentar. É aliás por isso que entre nós é proposto um regime de círculos uninominais, pois desse modo é mais fácil aos interesses económicos conseguirem os seus objetivos (além de que assim se protegem os partidos tradicionais quando o seu poder eleitoral se está a degradar). Por isso temos o paradoxo de os democratas no Brasil proporem um sistema eleitoral à portuguesa, proporcional e por listas partidárias, e os promotores dos interesses económicos proporem em Portugal um sistema à brasileira, com eleição preferencial individual, ou com o método equivalente dos círculos uninominais. Os primeiros querem combater a corrupção, os últimos permitem, e alguns até desejam, um sistema que a promove.

Artigo publicado em expresso.pt a 16 de julho de 2019

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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