You are here

Um dia no consulado português em Londres

O testemunho que partilho é baseado na minha experiência de contacto, nos últimos seis meses, com os serviços online e offline do consulado Português em Londres.
Fila de espera à porta do consulado português em Londres

Esta experiência decorre durante um dos períodos de maior incerteza para os cidadãos Portugueses a residir no Reino Unido. Com um acordo de saída da União Europeia a ser debilmente negociado desde 2016 e com contornos ainda desconhecidos, o consulado falha em providenciar o apoio e cuidados devidos aos seus utentes.

O sítio online de agendamentos do consulado Português em Londres tem apresentado uma escassez de marcações disponíveis durante os últimos seis meses. Com o meu cartão do cidadão expirado em Abril de 2019, procurei horários disponíveis desde Janeiro, sem sucesso. Ou seja, o site indicava que não havia datas disponíveis sugerindo ao utente que tentasse mais tarde. Quando finalmente consegui uma marcação, a primeira data disponível era dia 29 de Maio de 2019, às 14h.

A espera no exterior das instalações

Os cidadãos Portugueses a residir em Inglaterra que necessitem de tratar de qualquer documentação com os serviços Portugueses têm que se dirigir às cidades de Londres ou Manchester. Estando registada no consulado de Londres, e morando em Nottingham, para poder renovar o meu cartão do cidadão eu tenho que tirar um dia de férias e cobrir as despesas associadas a esta deslocação, que nunca são menos de €100.

No dia marcado, chego ao consulado às 13h50m, ou seja, dez minutos antes da minha marcação. Com enorme surpresa, deparo-me com uma longa fila de pessoas esperando à chuva e vento no exterior das instalações. Dirijo-me a um senhor que se encontra à porta, com um colete anti-balas e com a inscrição ‘security’ nas costas. ‘Para uma marcação às 14h é necessário esperar no exterior?’, pergunto. Ao qual me foi respondido que sim, e que seria chamada quando fosse a hora da marcação.

Quando me desloco para o final da fila, que já se encontrava na esquina do quarteirão, vejo que nesta estão inúmeras crianças que aguardavam com os seus encarregados – muitas vezes apenas um dos pais se fazia apresentar, sendo neste caso as mães. Relembro que está a chover e faz frio. Nesta fila estão crianças de várias idades, incluindo recém-nascidos que vêm com os seus pais tratar da sua documentação de identidade. É importante frisar que crianças nascidas no Reino Unido de pais estrangeiros não têm direito à nacionalidade Britânica, o que faz com que este procedimento para aquisição de documentação seja fundamental numa fase inicial da vida destes recém-nascidos.

A chuva intensifica-se. O meu chapéu-de-chuva está a proteger uma mãe e a sua criança no carrinho de bebé. Os pais tentam encontrar formas de proteger os seus filhos e evitar que se molhem ainda mais. As pessoas comentam que a situação é inaceitável. Eu aproveito para expressar a minha indignação com as pessoas que estão ao meu lado.

Quando finalmente as marcações das 14h são chamadas para entrar já passam das 14h20m. Eu interpelo o segurança. Pergunto-lhe como pode deixar as pessoas à chuva, com crianças, sem sítio onde se possam abrigar e sem sítio para se sentarem. Responde-me que simplesmente cumpre ordens e que fale com outro colega que se encontra dentro das instalações. Este segundo segurança é-me familiar. Já trabalha no consulado há muitos anos, desde que eu emigrei para o Reino Unido em 2011. Pergunto-lhe o mesmo, ao qual me responde que as pessoas chegam demasiado cedo para as marcações e que só podem entrar à hora certa. Explico-lhe que há pessoas que viajam de longe e que para garantirem estar aqui a horas, terão de chegar mais cedo. E que muitas vezes não têm para onde ir. Insisto que o consulado deveria acolher as pessoas. A localização do consulado num dos bairros mais ricos da cidade de Londres, significa que, para a grande maioria, este dia involve várias viagens, levantar cedo, pagar deslocações, etc. Com crianças a situação é ainda mais complicada.

Este último comentário não recebe resposta. Indicam-me que tenho que entrar e sentar-me. A sala de espera, como eu havia imaginada, está cheia de lugares vazios. Há espaço para acolher todos os que ainda se encontram à chuva.

Comportamento irregular da equipa de segurança

Já frequento o consulado Português desde 2011 e nunca tinha encontrado uma equipa de segurança tão vasta. A barrar a entrada dos utentes nas instalações está o primeiro membro da equipa (inexistente há dois anos atrás); antes de entrar dentro da sala de espera encontram-se dois membros (incluindo o funcionário que reconheço de visitas anteriores); e, finalmente, há outro elemento da equipa dentro da sala de espera. Este último também é novo. Parece-me que o crescimento da equipa de seguranças é desproporcional ao crescimento do número de funcionários consulares a servir os interesses dos utentes. Atendendo, neste caso, às horas de espera, à inexistente de serviço telefónico, e ao número reduzido de datas disponíveis para agendamentos.

Depois de ter entrado na sala de espera aguardei mais de duas horas para ser atendida. Durante este período observei episódios de comportamento irregular e violador dos direitos dos utentes menores regulados pelos seguranças. Este testemunho não prentende incriminar um indivíduo em particular, pois tendo visto a mudança de turnos, entendi que o comportamento era homogéneo e terá sido indicado pelos superiores dos seguranças.

Tal como eu, a maior parte dos utentes esperam mais de duas horas nesta sala. Atendendo ao facto de muitos deles virem tratar de documentação para os seus filhos, há bastantes crianças na sala. Será fácil (e humano) entender que uma criança não tem a capacidade de estar sentada durante duas horas, quieta, e em silêncio. Naturalmente levantam-se, encontram algo para se entreter e brincam com outras crianças. Quando estas situações se verificam, o segurança aborda os pais para que os sentem e mantenham calados. Invariavelmente, as crianças reagiam com desagrado, chorando e tentando sair do carrinho ou cadeiras. Alguns pais viram-se forçados a prendê-las com o cinto do carrinho de bebé para evitar ser novamente interpelados pelos seguranças.

Outra situação anormal é a proibição do uso do telemóvel. Os seguranças controlam as chamadas feitas dentro da sala de espera, convidando os utentes a desligar ou a sair das instalações. Devido ao tempo de espera é natural que as pessoas tenham que avisar amigos, colegas ou familiares da sua localização. No meu caso, o meu companheiro aguardava o meu contacto para saber quando estaria despachada. Quando ele me ligou, o segurança rapidamente me interpelou para que eu terminasse a chamada. Nesse momento tive a oportunidade de chamar à atenção do segurança da lastimosa performance com os utentes. Expliquei-lhe que estavam a tratar as crianças de forma desumana, e que a sua presença e atitude era desadequada com o papel que o consulado deveria ter. Ou seja, de apoio e de acolhimento.

Infelizmente, o que se sente com o reforço desta equipa é a sensação de que os utentes podem ser potencialmente perigosos e causar distúrbios, quando o consulado é o único ponto de contacto que temos com o nosso país e onde deveríamos receber apoio e conforto. O que poderia levar a reacções negativas é a forma irregular como os utentes são tratados, deixados na rua expostos aos elementos e obrigados a conter comportamentos naturais dos mais pequenos, como de uma punição se tratasse.

Depois de ter feito estes comentários, a senhora que estava sentada ao meu lado, partilhou comigo a sua insatifação com o atendimento do consulado. Disse-me que quando estava a tentar entrar nas instalações foi tratada de forma inapropriada pelos seguranças, tendo-a feito sentir-se vunerável perante a atitude de demonstração de força, desproporcional com o que esperava do consulado. Confirmou também que era a primeira vez que sentia esta hostilidade e que estava bastante surpreendida.

Dentro de um contexto de Brexit eminente, com todas as dúvidas e inseguranças que os cidadãos portugueses têm em relação aos seus direitos para permanecer e trabalhar no Reino Unido, o consulado falha em providenciar os recursos necessários para um atendimento capaz e rápido, assim como transmitir apoio e cuidado aos seus utentes. A performance do consulado destaca-se por uma deficiência no atendimento, longas horas de espera, falta de pessoal, e demonstração de uma hostilidade desnecessária.

Sobre o/a autor(a)

Curadora e investigadora, membro do Secretariado do Núcleo Europa do Bloco de Esquerda
Comentários (2)