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O Crepúsculo dos ídolos do populismo…

O que a judicialização da política e politização da justiça na crise da democracia brasileira deixam de lição para Portugal e ao mundo?

Nos últimos dias o Brasil e o mundo têm assistido à desintegração da máscara de um herói. As denúncias ao juiz baluarte da justiça e do combate à corrupção, Sérgio Moro, fazem desmoronar o deleite dos ovacionadores do ídolo perfeito que, não obstante, se colocava acima da lei em nome da moral, da conveniência e da parcialidade. Mas, o que as atuais denúncias ao atual ministro da Justiça do Brasil, expostas através do canal The Intercept, vêm de facto nos dizer? O que a judicialização da política e politização da justiça na crise da democracia brasileira deixam de lição para Portugal e ao mundo?

Convidado assíduo para proferir cursos e conferências como palestrante de honra em Portugal em cidades como Cascais, Lisboa e Coimbra - sobre temas como combate à corrupção, bem como para apresentar o seu conhecido “pacote anticrime”, que prometia maior rigidez e um caráter mais punitivo do Estado (dentre as medidas propostas podia-se ver a prisão após condenação em segunda instância, punição para grupos que atuam como milícias, aumento da pena máxima de prisão de 30 para 40 anos) entre outros. Aclamado com euforia e até comoção pelos seus admiradores, em uma das suas últimas passagens por Lisboa, no VII Fórum Jurídico, não se furtou a tecer críticas à justiça portuguesa acerca do caso Sócrates, ao chamar atenção à “dificuldade institucional” de Portugal para fazer avançar o processo contra o antigo primeiro ministro. Ora, para além das evidencias publicadas pelo canal The Intercept, que comprovam as suspeitas da atuação direta de Moro na investigação que condenou o ex-presidente Luís Inácio Lula Da Silva - que caracteriza além de desvio de função, sua total influência nas decisões tomadas pelo ministério público, inclusive de travar a delação contra o ex-presidente da câmara dos deputados Eduardo Cunha que liderou o golpe que levou Dilma Rousseff ao impedimento – não é de hoje que as suspeitas sobre a atuação do atual Ministro da Justiça são denunciadas, contudo, a verdade é que sua rigidez e empenho na condenação de Lula da Silva também garantiram além da vitória do presidente eleito Jair Bolsonaro, a sua nomeação como ministro e a certeza que seu empenho no discurso populista que lhe rendeu o título de herói da nação valeu a pena.

Por falar em populismo, não à toa Sérgio Moro, mesmo com todas as evidências que corriam acerca de sua atuação parcial era constantemente convidado a ocupar espaços de fala de destaque em Portugal e no mundo. A comoção pública emotiva e irrefletida nos faz perceber a necessidade na política de ídolos, não necessariamente por sua “verdade”, mas por sua capacidade de comover e movimentar multidões, e também de cegar multidões – nesse jogo político “democrático” há poucos inocentes, mas muito mais tipos convictos dos impactos políticos que esse modelo de discurso populista possibilita. Também não há responsáveis unos, mas um sistema que se alimenta e fomenta essa máquina que tem como projeto político o desmoronamento das democracias, seja pela politização da justiça que a reduz a mero instrumento político partidário - ou à judicialização da política que reduz o confronto político partidário à querela judicial.

Do Super-Homem de Nietzsche que vence o niilismo e supera todas as armadilhas dos humanismos, da cultura - ao super-homem populista Moro que orgulhoso demais de si próprio dá aos supersticiosos o ídolo massificado que promove golpes, mas comove multidões; fica em nós a certeza de que toda perfeição vale a dúvida, e a necessidade do devir que movimenta a ação política e nos impede da imanência alienante é condição de possibilidade da própria democracia.

Sobre o/a autor(a)

Doutoranda em filosofia política na Faculdade de Letras da Universidade Coimbra. Investigadora no Instituto de Estudos Filosóficos – IEF – UC
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