Há “geringonça” ou “trifachito”? Quem vai mandar nos governos regionais em Espanha
As eleições autonómicas espanholas de 26 de maio elegeram novos parlamentos em todas as comunidades, à exceção da valenciana que votou no fim de abril, e da Galiza, Catalunha, Andaluzia e País Basco, onde ainda decorrem as legislaturas. Os resultados confirmaram a tendência de subida do PSOE e do Ciudadanos e de queda do PP e Podemos, a par da entrada da extrema-direita do Vox em alguns parlamentos.
Com as maiorias absolutas a serem cada vez mais uma exceção, as semanas seguintes foram de negociação de alianças nos blocos à esquerda e à direita, após a orientação do Ciudadanos de não se aliar aos socialistas e possibilitar o “trifachito” ao lado do PP e do Vox.
Em quatro comunidades — Baleares, Canárias, La Rioja e Comunidade Valenciana — foi possível formar governos liderados pelo PSOE com a participação dos partidos da esquerda. Na noite eleitoral, a festa dos socialistas ficou ensombrada pelo resultado em Madrid, onde a soma da esquerda ficou aquém do objetivo de recuperar o governo que há mais de 20 anos está nas mãos do PP.
O atual governo é liderado pelo socialista Javier Lambán em coligação com os nacionalistas da Chunta Aragonesista. Os dois partidos conseguiram eleger 24 e 3 deputados, respetivamente, e precisam de 34 para assegurar maioria num parlamento que conta com oito forças políticas. No entanto, a primeira escolha dos socialistas para obter essa maioria foi fechar um acordo de princípio com o Partido Aragonés (PAR, 3 deputados) e convidar o Ciudadanos (12 deputados). Lambán defendeu logo à saída das urnas que ia recusar “qualquer tipo de frentismo” e “fugir dos extremismos”, mas o Ciudadanos — que vai governar Zaragoza coligado com o PP e com o apoio do Vox, que tens os votos decisivos para dar maioria à direita no município — recusou a aproximação aos socialistas.
Resta agora ao PSOE conseguir o apoio da esquerda — os 5 deputados do Podemos-Equo, os 3 de Chunta e o deputado da Esquerda Unida — para viabilizar a reeleição de Javier Lambán à frente do governo, tal como já foi conseguido para eleger outro socialista, Javier Sada, como presidente do parlamento.
As eleições autonómicas deixaram os socialistas asturianos (20 deputados) a apenas três votos da maioria absoluta. Para a escolha dos lugares da Mesa do Parlamento, o PSOE escolheu um acordo com a Esquerda Unida (2 deputados, em coligação com a Esquerda Asturiana), que deixou o Podemos (4 deputados) de fora daquele órgão. O dia da tomada de posse ficou marcado pela demissão do cabeça de lista do Ciudadanos (5 deputados), o independente Juan Vásquez, em rotura com a viragem à direita do partido. Apesar do mal estar instalado entre socialistas e Podemos, as negociações para garantir uma maioria de governo liderada pelo socialista Adrián Barbón vão prosseguir nas próximas semanas.
A tendência geral das eleições autonómicas espanholas confirmou-se também nas Baleares: subida do PSOE (20 deputados) e do Ciudadanos (5 deputados), queda do PP (16 deputados) e do Podemos (6 deputados) e entrada da extrema-direita do Vox (3 deputados) no hemiciclo. A socialista Francina Armengol irá assim manter-se à frente do governo, com um acordo já assinado com o Podemos, que já dava apoio parlamentar ao anterior governo e os ecosoberanistas do Més (4 deputados), que integravam o governo socialista na última legislatura. O Podemos fica com a vice-presidência e duas pastas: a do Comércio, Indústria e Energia e a da Agricultura, Pesca e Consumo. O Més fica com as pastas do Bem-Estar Social e do Ambiente.
Os 37 deputados necessários para alcançar a maioria absoluta foram assegurados por um acordo que junta PSOE (25 deputados), Nova Canárias (5 deputados) Podemos-Sí se Puede-Equo (4 deputados), e o Agrupamento Socialista Gomera (uma cisão do PSOE em 2015 na ilha de Gomera, 3 deputados). Os socialistas já não presidiam ao governo canário desde 1993, quando uma moção de censura da então recém-criada Coligação Canária (agora com 20 deputados) abriu caminho a este partido regionalista conservador para dominar o poder político no arquipélago até aos dias de hoje. No dia da assinatura do “Pacto das Flores”, assim chamado por ter sido apresentado junto ao emblemático Relógio das Flores em Tenerife, todos os partidos sublinharam o “momento histórico” da mudança política no arquipélago.
Miguel Ángel Revilla vai voltar a ser eleito presidente do executivo da Cantabria, após o seu Partido Regionalista de Cantabria (15 deputados) ter vencido as eleições. Bastariam mais três votos para ter a maioria no parlamento, agora garantidos com a revalidação do acordo (na foto) com o PSOE (6 deputados). O Podemos, que viabilizou com a sua abstenção o anterior governo, ficou de fora do parlamento, ao perder os seus 3 deputados. O novo governo promete seguir uma agenda progressista nas áreas da habitação, fiscalidade e direitos sociais. A negociação entre os dois partidos ultrapassou as fronteiras da Cantábria, com o PRC a assegurar o voto do seu único deputado no parlamento espanhol para a investidura do líder socialista Pedro Sánchez.
Tal como na Cantábria, o Podemos foi penalizado com a perda da sua representação parlamentar (2 deputados) em Castela-Mancha, a comunidade autónoma que viu nascer em 2017 o primeiro governo de coligação PSOE-Podemos. Nessa legislatura, o PSOE precisava de apenas um deputado para alcançar a maioria absoluta e os primeiros anos ficaram marcados por algumas crises políticas. A decisão de entrar no governo liderado por Emiliano García-Page a meio da legislatura foi alvo de muitas críticas dentro do partido liderado por Pablo Iglesias. A isso somou-se uma campanha eleitoral desastrosa, que ditou o desaparecimento do Podemos do parlamento regional. A crise interna foi aberta logo na noite eleitoral, com a demissão de José García Molina e de toda a direção política do Podemos em Castela-Mancha. Na legislatura que agora começa, o PSOE governará com maioria absoluta.
Numa comunidade autónoma governada desde 1987 pelo PP, de nada valeu ao PSOE ter ganho as eleições (35 deputados), ficando apenas a seis deputados da maioria absoluta. Com o desastre eleitoral do Podemos-Equo (passou de 10 para 1 deputado) e o crescimento do Ciudadanos (passou de 5 para 13 deputados), o PP (29 deputados) fechou o acordo com o Ciudadanos para continuar ao leme do governo de Castela e Leão, agora sob a liderança de Alfonso Fernandéz Mañueco. Um acordo resultante da orientação nacional do partido de Albert Rivera para privilegiar entendimentos com os populares e que o próprio líder regional do Ciudadanos que o subscreveu, Francisco Igea (à esquerda na foto), reconhece ter deixado zangados muitos eleitores do seu partido.
De facto, horas antes de anunciar o princípio de acordo de governo com o PP, o Ciudadanos tinha apresentado uma queixa em conjunto com outros partidos contra o PP de Castela e Leão por corrupção, devido a uma obra de um hospital em Burgos que custou 700 milhões de euros a mais que o orçamentado. Em troca do apoio do Ciudadanos ao PP, os populares ofereceram várias presidências de câmaras e cargos nesta comunidade.
Num dos maiores feudos eleitorais socialistas — apenas em 2011 o PP conseguiu uma investidura para governar, graças à abstenção da Izquierda Unida —, o PSOE conquistou a maioria absoluta (34 deputados) após uma legislatura em que governou com apoio parlamentar do Podemos, que viu reduzida a sua representação de 6 para 4 deputados. O governo será presidido por Guillermo Fernandéz Vara, que já tinha liderado a Junta da Extremadura desde as eleições de 2007, salvo o interregno popular entre 2011 e 2015.
Se o resultado da eleição não provocou grande surpresa, o mesmo não se pode dizer da votação que deu a presidência da Câmara ao único autarca eleito pelo Podemos em Jerez de los Caballeros, perto de Badajoz. A lista do Podemos decidiu apresentar o seu nome à investidura, garantindo que não votaria em nenhum outro candidato, e os autarcas do PP e do Ciudadanos votaram nele para tirar da presidência a socialista Virgínia Borrallo, acusada de prepotência e também de controlar os meios de comunicação locais.
O PSOE ganhou pela primeira vez em 24 anos as eleições para a comunidade autónoma de La Rioja, obtendo 15 deputados contra os 12 do PP. Ou seja, para tirar os populares do governo, bastava aos socialistas negociar o apoio do Podemos (2 deputados), relegando o Ciudadanos (4 deputados) para a oposição. Esse acordo já foi alcançado e passa pela participação do Podemos no governo, com pastas ainda por atribuir. A defesa dos serviços públicos e do emprego, a igualdade e a justiça social, a luta contra o despovoamento e as alterações climáticas são os principais eixos do futuro programa de governo liderado pela socialista Concha Andreu (na foto).
É preciso recuar até 1986 para recordar a última vitória do PSOE nas eleições para a Comunidade de Madrid, na altura com maioria absoluta. Graças ao apoio da Esquerda Unida, os socialistas ainda governaram até 1995, mas desde então o PP controla a região da capital espanhola. Nas eleições de maio deste ano, o PSOE ganhou a eleição com 37 deputados, os mesmos que alcançara em 2015, mas a esquerda ficou aquém dos 67 necessários para a maioria absoluta.
Com o campo político representado em 2015 pelo Podemos a dividir-se em duas candidaturas — o Más Madrid de Iñigo Errejon (20 deputados) e a coligação Podemos-Esquerda Unida (7 deputados) — o resultado permitiu manter os 27 deputados da anterior eleição. Mas a direita reforçou a sua posição, apesar da queda do PP (passou de 48 para 30 deputados). Tudo graças ao crescimento do Ciudadanos (de 17 para 26 deputados) e à entrada do Vox (12 deputados). A candidata do PP Isabel Díaz Ayuso já fez o acordo com o homólogo do Ciudadanos Ignacio Aguado (na foto), mas a formação de governo com apoio da extrema-direita, tal como no executivo municipal de Madrid, está a abrir uma crise interna no Ciudadanos, que diz não fazer pactos com o Vox. Este respondeu com a ameaça de romper todos os acordos municipais com o PP — necessários para tirar maiorias à esquerda — caso não lhe sejam garantidos postos executivos nos governos autonómicos e municipal de Madrid. A polémica promete prosseguir nas próximas semanas.
As eleições em Murcia decidiram o vencedor por menos de 500 votos de diferença. O PSOE conseguiu 17 deputados, o PP 16, o Ciudadanos 6, o Vox 4 e o Podemos-Equo 2. Com 23 deputados necessários para a maioria na Assembleia, este resultado colocou a extrema-direita na posição decisiva para desequilibrar os pratos da balança.
O PP de Fernando López Miras e o Ciudadanos de Isabel Franco já chegaram a um acordo sobre o programa de governo (na foto) e, tal como na Andaluzia, para o Ciudadanos salvar a sua face, o PP terá de fazer um acordo separado com o Vox para garantir um governo sustentado pelos três partidos, o chamado “trifachito”. Os insultos machistas do líder parlamentar do Vox à ministra da Justiça espanhola, que afirmara que este partido não respeita a Constituição, trouxeram na semana passada ainda mais polémica ao processo de formação do governo, que ainda decorre.
As eleições autonómicas deram a vitória ao bloco da direita, que juntou a UPN, Ciudadanos e PP na candidatura Navarra Suma. Mas os 19 deputados alcançados ficaram longe dos 26 necessários para garantir a maioria absoluta. Seguiram-se semanas de negociações entre a esquerda e os nacionalistas, que ainda decorrem para a formação do governo. Para isso será necessário um acordo entre socialistas (11 deputados), a coligação Geroa Bai (comandada pelo Partido Nacionalista Basco, 9 deputados), os independentistas do Bildu (8 deputados), o Podemos (2 deputados) e a coligação Izquierda-Ezkerra (inclui e Esquerda Unida e outras formações, 1 deputado).
Na votação para a presidência do parlamento, os votos do Bildu foram decisivos para dar a vitória ao candidato do Geroa Bai — Unai Hualde, presidente do PNV navarro —, que em troca garantiu aos independentistas um lugar na mesa do Parlamento, contra a vontade dos socialistas. O PSN recusa negociar com o Bildu, mas precisa da sua abstenção para que seja possível um governo alternativo ao da direita. As negociações vão decorrer nas próximas semanas e terá de existir uma solução até ao fim de agosto para evitar novas eleições.
Ao contrário das restantes eleições autonómicas realizadas a 26 de maio juntamente com as municipais e europeias, a Comunidade Valenciana preferiu antecipá-las um mês para coincidir com as eleições legislativas. Desta vez a vitória coube ao PSOE com 27 deputados, seguido do PP com 19, o Ciudadanos com 18, o Compromis com 17, o Vox com 10 e o Podemos-EUPV com 8.
Aqui a maioria faz-se com 50 deputados e foi necessário um mês e meio para ser anunciada a reedição de um governo de esquerda entre PSOE, os eco-soberanistas do Compromís e Podemos, com o socialista Ximo Puig a manter-se à frente do governo, entregando quatro pastas ao Compromís e duas ao Podemos, com estes dois partidos a assumirem vice-presidências na comunidade. Na negociação para a investidura do próximo governo espanhol, Pablo Iglesias deu o exemplo da Comunidade Valenciana como o caminho a seguir para a composição de um executivo liderado por Pedro Sánchez.