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O fracasso da municipalização, o desespero do PS e o frete de Medina

O processo a que o Governo quis chamar de descentralização está em crise. O acordo entre PS e PSD para a municipalização de competências descarrilou completamente, devido principalmente à falta de compromissos financeiros.

Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), está disponível para aceitar todas as competências que o Governo quer transferir. Talvez fosse bom alguém informar Medina que mais de metade dos 278 municípios do continente decidiram rejeitar, no todo ou em parte, as competências a transferir da administração central para os municípios, em 2019. Menos de 40% aceitaram na totalidade. A CML tem algum estudo sobre as consequências para as finanças municipais e para a qualidade dos serviços dessa transferência?

Cada vez mais autarcas, muitos do PS e do PSD, percebem que estão a ser metidos numa armadilha: mais competência, mas sem recursos financeiros e humanos compatíveis com esse crescimento de responsabilidades. É o Estado central a livrar-se de responsabilidades e a atirá-las para as autarquias.

Estes autarcas sabem por experiência própria que há problemas que não encontram uma boa resposta à escala municipal. Em Lisboa, a resposta para a mobilidade, por exemplo, tem de ser à escala metropolitana e até regional. Num inquérito do ISCTE aos presidentes de Câmara, 83% dos autarcas de municípios metropolitanos afirmaram que as Áreas Metropolitanas devem ter órgãos próprios eleitos por sufrágio direto.

Aliás, a eleição das Áreas Metropolitanas está no Programa do Governo:

“A transformação das atuais áreas metropolitanas, reforçando a sua legitimidade democrática, com órgãos diretamente eleitos, sendo a Assembleia Metropolitana eleita por sufrágio direto dos cidadãos eleitores, o Presidente do órgão executivo o primeiro eleito da lista mais votada e os restantes membros do órgão eleitos pela assembleia metropolitana, sob proposta do presidente.” (Programa XXI Governo Constitucional)

Porém, o objetivo do acordo com o PSD para a municipalização fez o PS recuar em relação às Áreas Metropolitanas e à reversão da agregação das Freguesias, que sempre tiveram a oposição do PSD. O PS recuou na democracia e cedeu à direita, mas para nada porque nem a municipalização vai ser concretizável até às eleições Legislativas.

É aqui que parecem entrar em força Lisboa e Fernando Medina.

O PS quer ir com a bandeira da descentralização para as Legislativas, mas os maiores municípios estão a rejeitá-la no todo ou na maior parte. Resta ao PS que Lisboa aceite na íntegra as transferências, para poder levantar a bandeira da “descentralização aceite no maior município do país”. Fernando Medina está disposto a fazer esse frete ao PS, apesar de se tratar de uma irresponsabilidade e um absurdo.

A lógica do Governo é a de reduzir a despesa da administração central, transferindo para os municípios verbas abaixo do que seria de facto necessário. Mesmo num município com a dimensão de Lisboa, a degradação das escolas e dos centros de saúde exigem intervenções a que a Câmara não terá condições de responder.

Quais serão as consequências? Diminuição da qualidade das instalações e dos serviços prestados, novas taxas sobre os munícipes e aumento do endividamento municipal, com a possibilidade da concessão a privados de algumas áreas a municipalizar.

Para lá da irresponsabilidade em termos de serviço aos munícipes e ao nível financeiro, a irresponsabilidade também será a de permitir que a ideia de descentralização acabe por ficar ligada à diminuição da qualidade dos serviços e a mais encargos para os munícipes.

Perante este beco sem saída, começa a ficar evidente que a única saída possível é avançar para a regionalização. Isto ficou manifesto no inquérito a autarcas do ISCTE, em que 84% dos presidentes de Câmara querem a regionalização com órgãos próprios eleitos diretamente e 77% consideram que deve ser no mais curto prazo.

Medina ao aceitar no seu todo a municipalização presta um serviço ao PS e ao Governo, mas prejudica gravemente Lisboa e os munícipes.

Sobre o/a autor(a)

Engenheira agrícola, presidente da Cooperativa Três Serras de Lafões. Autarca na freguesia de Campolide (Lisboa). Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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