You are here

A indecisão dos perdedores

A percentagem de abstenção nas eleições europeias continua a não ser surpreendente, mas é bem reveladora do afastamento dos eleitores face aos seus deveres mínimos de cidadania.

Embora com cerca de mais 30 mil votantes face a 2014, continuamos a bater no fundo. Com uma taxa de participação de 31%, as eleições em Portugal ficaram-se pela sexta pior percentagem da União Europeia e muito abaixo da média comunitária (que só chegou à percentagem de 50,82% porque o voto é obrigatório em alguns estados-membros). Se tudo isto é razão mais do que suficiente para fazer pensar os 751 eurodeputados eleitos, imagine-se o que não irá na cabeça dos perdedores internos destas eleições que apontam à abstenção a razão de ser de grande parte dos seus males. Mas não foi a abstenção que escolheu alguns perdedores destas eleições. Foi a indecisão.

A destruição dos sonhos à Direita revelou-se proporcional aos amanhãs que cantam. A campanha do PSD foi bem reveladora dos seus processos internos e mereceu a apreciação popular que se viu. Foram peritos em ressuscitar fantasmas. Desde que chegou à liderança do PSD, Rui Rio tem sonhado com o bloco central mas este resultado e a proximidade das eleições legislativas encarregam-se de lhe ligar o sonho às máquinas, sem ventilação. Acossado por uma oposição interna que não lhe permitiu conquistar o partido após o ter ganho em congresso, tanto se encostou ao PS que acabou por criar um mundo sem alternativas. Foi o paradigma de uma Oposição indecisa que acabou cilindrada sem apelo nem agravo. Toda a gente percebeu a dimensão do desejo de Rui Rio em reeditar o bloco central. Todos, menos os eleitores que já compreenderam que não é com o "centrão dos negócios" que o país avança. "Já chega de asneiras", avisa Ribau Esteves. Com um PSD divido e em frangalhos, só o voto útil poderia salvar o partido daqui a uns meses. Mas o voto útil já não existe. O mundo pula e avança nas mãos de António Costa: para Rui Rio, acaba aqui a geringonça informal que em sonhos criou.

A campanha do CDS foi fruto da herança marialva de Nuno Melo e da indecisão de Cristas entre escutar ou rejeitar os seus maiores críticos internos, organizados em tendência. Durante meses deu-lhes força, transformando o CDS num partido acintoso e aos gritos. Ao amparar as suas tendências extremistas, o CDS sofreu uma deriva à Direita, radicalizando-se, à procura de vampirizar energia a uma extrema-direita que (ainda) não existe, à boleia da necessidade do combate ao bicho-papão das esquerdas a que chamam radicais e da percepção de que já não havia sangue para exaurir do PSD. Boleias à parte, a realidade informou-os que há um táxi em aproximação e de que este país (e o seu ex-eleitorado) não está para couves de ocasião. Às armas, às armas, escutou-se, julgando-se hino. Mas foram só as armas de Nuno Melo e as da tendência menos democrática do partido a fazer um assalto. Com resultados deploráveis, Assunção Cristas poderá aproveitar para dizer que esta não é uma derrota dela. Mas, assim sendo, teria que ter a coragem de fazer uma purga até à legislativas.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 31 de maio de 2019

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
(...)