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O erro

A extrema-direita ganha terreno numa União Europeia desgovernada, e não sobra tempo para ensaios.

A leitura que fizermos agora ditará se conseguiremos criar uma estratégia, e a partir dela as alianças, que enviem a extrema-direita para o buraco da história a que pertence.

É por isso útil recordar essa história. O período de paz que a Europa conheceu não se deve ao facto de os países terem ficado acorrentados a uma espécie de slogan chamado União Europeia. O que manteve a paz foi o contrato social que saiu da experiência devastadora da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial. Esse contrato tinha cláusulas concretas: construção de um Estado social universal; proteção dos direitos laborais, com um enorme papel conquistado pelos sindicatos; controlo da Banca e dos movimentos internacionais especulativos, com o acordo de Bretton Woods; investimento público, com o New Deal. O contrato social que acabou com a extrema-direita no século passado foi uma aliança progressista entre os democratas que compreenderam que o ódio se alimenta da pobreza, da insegurança e da humilhação. E por isso a paz só pode ser garantida com estabilidade, direitos e dignidade.

Ao longo dos anos 80 e 90, este contrato europeu progressista foi sendo enfraquecido. As privatizações, a desregulamentação financeira e a erosão de direitos conquistados foram corroendo as suas bases, à medida que uma parte dos seus fundadores - a social democracia - se aliou aos neoliberais. Os anos 2000 bateram recordes bolsistas e de lucros financeiros, mas deixaram um sabor amargo a quem viu a vida a ficar mais precária, e a distância dos de cima a aumentar.

A crise de 2007 foi a consequência deste processo. Mas a verdadeira machadada no contrato social do pós-guerra foi dada pela austeridade e pelo programa liberal que a acompanhou. A pobreza, as desigualdades e a humilhação que causou são hoje, como foram no pós-Primeira Guerra, rastilhos para a extrema-direita.

Responder à extrema-direita implica refazer e construir um contrato social com um plano de investimento público contra as alterações climáticas, com um Estado social forte, com direitos do trabalho e proteção dos direitos humanos. O PS engana-se quando rejeita a experiência portuguesa dos acordos à Esquerda e escolhe para aliados europeus os partidos da mesma Direita liberal que, com a austeridade, destruiu o contrato que nos protegeu contra os fascismos no passado. A mesma Direita que defendeu e impôs sanções humilhantes. A mesma Direita que transformou o Mediterrâneo numa vala comum. Essa aliança bizarra não tem nada de progressista. Essa aliança é um erro do tamanho da nossa História.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 28 de maio de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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