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Os “putos” já estão a ganhar

A geração que na sexta-feira saiu à rua em todo o mundo está a dar uma enorme lição sobre o que é fazer política e ser responsável pelo planeta em que vivemos.

Os diretores das escolas ameaçaram que as faltas de hoje [24 de maio] seriam injustificadas e que as escolas funcionariam como se nada fosse, com aulas e testes. Felizmente, centenas de milhares de estudantes responderam à altura e encheram as ruas. “O nosso futuro é mais importante que um dia de aulas”, disseram. Em todo o mundo, e também em várias cidades do país, de norte a sul, em cartazes, em pancartas ou em palavras gritadas a plenos pulmões, os jovens que fizeram mais uma greve climática sabem o que querem: "Justiça climática já", "Gás, petróleo, carvão, deixá-los no chão", "não há planeta B", “não mudem o clima, mudem o sistema”, “Se o clima fosse um banco já teria sido salvo”...

Se alguém ainda acredita que “ir para a rua não serve para nada”, ou que “isto não vai lá com greves e manifestações”, o último mês e meio encarregou-se de mostrar o contrário. A mobilização das e dos jovens contra a destruição climática já teve um efeito espantoso: pôs o tema no centro do debate público, confrontou os responsáveis políticos, ganhou hegemonia na sociedade, ao ponto de a clara maioria das pessoas dar razão às razões dos grevistas. Esta é a primeira e a mais importante vitória que este movimento já teve: fundou uma cultura de mobilização que é a marca desta geração, envergonhou os adultos e os poderosos e a sua irresponsabilidade e egoísmo, chamou a atenção para o facto de estarmos mesmo a viver uma “emergência climática”, pôs o dedo na ferida sobre a mudança de paradigma que é necessária, no modo de produção e de consumo, que continuam assentes na exploração de petróleo, gás e carvão, no plástico, na obsolescência programada e no descartável.

Não vale a pena continuar em negação ou desvalorizar o apelo, como fez o Ministro do Ambiente, que recusou decretar emergência climática porque “essa declaração seria apenas um gesto simbólico”. “O simbolismo da declaração de emergência climática é o mínimo que se pode fazer”, respondeu-lhe uma das organizadoras da greve, que insiste: “o termo emergência climática desperta para a ideia de que, realmente, estamos em contra-relógio”. Não há volta a dar: o assunto é político e já não vai lá com pequeninas mudanças de hábitos: problemas sistémicos não se resolvem com soluções individuais. É preciso um programa de fundo para mudar de sistema e fazer a transição climática. Estamos muito atrasados, mas ainda é possível.

A Europa, esse assunto frequentemente chato, tem tudo a ver com isto. Metas de redução de emissões, investimento em transportes públicos, regulação da indústria da aviação, fim dos apoios públicos às energias fósseis, política agrícola e alimentar, diretiva sobre os plásticos... Tudo isto se decide, sobretudo, à escala europeia. É aí que se joga a possibilidade de ainda termos algum futuro.

Para fazermos escolhas temos de fazer balanços. Como têm decidido os que decidem em nosso nome no Parlamento Europeu? Um relatório da Rede Europeia de Ação Climática, divulgado pela Associação Zero, refere que, dos partidos portugueses, PSD e CDS-PP alcançaram a pior classificação e o Bloco de Esquerda é um claro campeão" no que toca à defesa do clima. Diz ainda o relatório que “os partidos conservadores e de centro no Parlamento Europeu não fizeram o suficiente para defender os cidadãos europeus e protegê-los da crise climática". Pelo contrário, a Marisa Matias foi quem mais pontuou neste tema.

Os tempos que vivemos podem ser medonhos: o planeta está à beira do colapso, o líder da maior potência económica do mundo rejeita a evidência científica sobre alterações climáticas, a Europa pouco tem feito, além de repercutir nos cidadãos os custos da transição energética. Mas são também tempos interessantes e decisivos. A geração que hoje saiu à rua em todo o mundo está a dar uma enorme lição sobre o que é fazer política e ser responsável pelo planeta em que vivemos. “Os putos acordaram”, diziam hoje na manifestação de Lisboa. Estão muito mais atentos do que se imagina. Desengane-se quem acha que vão parar. Nas ruas e nas urnas.

Artigo publicado em expresso.pt a 24 de maio de 2019

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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