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Titularização da dívida tarifária: como a EDP ganhou centenas de milhões sem produzir

Uma das rendas da energia escondida na fatura paga pelos consumidores portugueses está nos juros da dívida tarifária. Esta foi criada em 2006 por motivos políticos: o aumento do custo da energia e as rendas já atribuídas ao setor elétrico obrigariam no ano seguinte a aumentos brutais de 15.7%, segundo as indicações dadas na altura pelo regulador. O governo de José Sócrates não queria pagar o preço político de um aumento dessa ordem e a solução encontrada, ao invés de cortar nas rendas concedidas, como aconselhava a ERSE, foi a de limitar esse aumento a 6% nas faturas da luz e empurrar para mais tarde o pagamento da diferença, acrescida de juros, criando o chamado “défice tarifário”. O montante da dívida cresceu ao longo dos anos, com os governos seguintes a repetirem a receita, sempre com os consumidores a pagarem taxas mais altas do que o custo de financiamento da EDP, uma trajetória que só começou a ser invertida em 2016.
A comissão de inquérito às rendas da energia debruçou-se sobre esta componente das rendas e o relatório preliminar conclui que “a EDP conseguiu, no período entre 2008 e 2017, atravessando uma crise financeira mundial seguida de uma crise de dívida pública portuguesa, com graves implicações para o tecido empresarial nacional, sair a ganhar com a enorme quantidade de dívida tarifária gerada, a custo dos consumidores”.
Nos cálculos da comissão, a EDP encaixou 198 milhões de euros de lucros com as operações de titularização da dívida tarifária entre 2008 e 2017, o que corresponde a uma margem de lucro de 2.2% sobre a dívida titularizada. Só em juros, a empresa cobrou 1.115 milhões entre 2008 e 2018. Ou seja, a decisão de Manuel Pinho acabou por transformar a EDP num banco, com os consumidores a financiarem as suas operações financeiras e dessa forma a garantirem lucros à empresa sem necessidade de produzir sequer um quilowatt/hora…
Fonte: EDP (com base nos documentos anuais das tarifas e preços para a energia elétrica da ERSE)
Evolução do serviço da dívida tarifária. Gráfico do relator da comissão parlamentar de inquérito (Dados da ERSE)
Uma das recomendações do relator vai no sentido das propostas do grupo de trabalho constituído em 2016 integrando o governo, a Direção Geral da Energia e a ERSE, para que os resultados obtidos em operações de titularização de dívida tarifária sejam partilhados numa proporção de 50/50 ou ainda mais favorável ao sistema elétrico nacional. O governo deve também poder determinar ou suspender operações de titularização e aplicar o mesmo princípio às operações passadas, recuperando assim parte dos 198 milhões de saldo positivo para a EDP, reconhecendo que, “não tendo sido ilegal, esta apropriação integral é indevida e injusta, devendo ser corrigida”.
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