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Uma economia agonizante?
No dia 19 de março, milhares de pessoas voltaram a manifestar-se nas ruas para pedir a demissão do presidente Abdelaziz Bouteflika. E em matéria de economia, os desafios aos quais o país está confrontado são numerosos. Em primeiro lugar, porque a economia argelina depende totalmente do petróleo e do gás: ambos constituem quase todas as exportações do país, 97%, e dois terços dos rendimentos do Estado. De facto, a Argélia é um exemplo perfeito do que os economistas chamam a “doença holandesa”: uma abundância de recursos naturais que ao princípio parece ser uma boa notícia, mas que na realidade provoca o declínio da indústria local e a queda de todas as outras exportações. Enquanto os preços do petróleo são altos, o problema quase não se vê. O preço do petróleo não deixou de aumentar entre a chegada ao poder de Bouteflika e o ano de 2014, e a redistribuição da renda petrolífera foi mesmo a ferramenta do regime para adormecer as crises sociais, em particular durante as primaveras árabes em 2011.
Mas o problema estourou em 2014: nesse ano, o preço do petróleo afundou. E na Argélia isto se traduziu em que os recursos do Estado afundaram igualmente. Nesse momento, o regime reagiu utilizando as suas reservas, deixando aumentar o défice e, para compensar a queda das exportações, restringiu as importações de 850 produtos. Em resumo, o poder tapou os buracos e ganhou tempo, mas não reformou.
Clientelismo e corrupção
O outro grande problema da economia argelina é o do clientelismo. Aliás, um problema ligado ao da dependência dos hidrocarbonetos, pois o dinheiro do petróleo beneficiou sobretudo círculos de negócios próximos ao poder.
A restrição às importações imposta pelo regime é um exemplo vivo dos efeitos da corrupção no país, pois esta medida provocou o enriquecimento dos que na Argélia são conhecidos como os barões das importações: atacadistas que graças às suas privilegiadas relações políticas obtêm licenças de importação e estabelecem monopólios. Estas práticas não são exclusivas de Argélia, mas a diferença, estima o politólogo Thomas Serre em Alternatives Économiques, é que “aqui elas são de notoriedade pública”.
A palavra que se repete quando se trata de reformar a economia argelina é a da “diversificação”; efetivamente, trata-se de diversificar a economia para que ela deixe de ser tão dependente do petróleo. Mas mesmo depois da crise de 2014 esta diversificação não ocorreu. O regime preferiu criar moeda: 4.000 mil milhões de dinares desde novembro de 2017 (20% do PIB), fazendo pairar o risco da hiperinflação.
Hoje na Argélia as consequências económicas e sociais de todos estes problemas são evidentes. Um jovem em cada três está no desemprego. Também se pode ler no Le Monde uma reportagem apaixonante que nos leva a Ouargla, cidade situada no coração da zona dos hidrocarbonetos, onde 55.000 das 130.000 pessoas que ali vivem estão desempregadas. Nesta semana, o instituto de estudos Xerfi escrevia que “Argélia é uma economia agonizante. A tal ponto que a pergunta não é saber se vai quebrar ou não, mas sim quando”.
O “novo modelo de crescimento económico” enterrado pela Argélia
No entanto, o regime tentou mesmo pensar, junto com economistas, um novo modelo. Numa tribuna publicada no diário Le Monde, o economista argelino Raouf Boucekkine conta como o regime enterrou o modelo de transição económica que ele mesmo tinha encomendado. Em 2014, Raouf Boucekkine fazia parte, com outros cinco especialistas argelinos, de uma “task force”, um grupo de trabalho reunido pelo governo e que acabou por elaborar um “novo modelo de crescimento económico” para Argélia em 2016.
O grupo definiu três domínios prioritários: reforma do financiamento da economia, reforma do Estado social e, finalmente, a política industrial, para diversificar a economia e exportar outros produtos para além dos hidrocarbonetos.
Este “novo modelo de crescimento” foi finalmente enterrado. Primeiro, em julho de 2016, quando o conselho de ministros presidido por Abdelaziz Bouteflika adotou o plano de reforma mas suprimindo grandes partes da versão inicial. Em seguida quando a Argélia optou, em vez de diversificar a sua economia, criar moeda sem limites. Para Raouf Boucekkine, este abandono “ilustra, uma vez mais, a incapacidade do regime argelino de se reformar por dentro”.
Mas o economista também diz que se ele pensava, depois deste episódio, que “só uma pressão exterior levaria o regime a aceitar reformas estruturais”, não duvidava que uma revolta popular, um acontecimento “prodigioso para um observador da economia do país”, diz, “poderia conduzir a revisitar os próprios fundamentos da República argelina”.
20/3/2019
Artigo publicado em Les nouvelles de l’éco.
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
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