You are here

Uma grande família

Enquanto PS e PSD trocavam acusações tonitruantes sobre o parentesco dos membros dos gabinetes, preparavam um entendimento que surpreendeu os que acreditaram que as juras de amor à transparência eram, desta vez, para levar a sério.

Paulo Rangel, atolado na desventura em que se transformou o PSD e no vazio de diferenças entre a sua política europeia e a de Pedro Marques, encontrou nos laços de parentesco de assessores e Governantes o tema central da sua campanha. Só que, como lembrou e bem Adriano Campos, o rei da “caça à família” foi até há pouco tempo o sócio e advogado do Cuatrecasas, um escritório que assessorou as privatizações da ANA e da TAP no anterior Governo, que participou da resolução do Banif, que deu apoio à elaboração das escandalosas parcerias público-privado com a Ascendi na rodovia (essas mesmo que valeram a tantos portugueses, além do buraco no Orçamento do Estado, as cartinhas do Fisco, feito cobrador de fraque de uma entidade privada). Famílias há muitas e as que resultam dos negócios são tanto mais eficazes quanto se escondem em formas de afinidade e vínculo que não precisam da consanguinidade para ativarem os mecanismos de proteção e de cumplicidade de quem pertence ao mesmo clã.

Na verdade, enquanto PS e PSD trocavam acusações tonitruantes sobre o parentesco dos membros dos gabinetes, preparavam nos bastidores um entendimento de última hora que surpreendeu os que acreditaram que as juras de amor à transparência eram, desta vez, para levar a sério. De que falo? Da proposta do PSD que – apresentada sem aviso e contra a anunciada intenção de aumentar as restrições à acumulação da função de deputado com outras que podem entrar em conflito com aquela – visa permitir que os deputados que são advogados, membros de sociedades de advogados ou que vêm do setor financeiro intervenham no processo legislativo, mesmo que as suas sociedades estejam envolvidas nos processos abrangidos por essa legislação. Como diz o Público, o que os deputados do PSD fizeram foi, em conjunto com os do PS que garantiram a sua aprovação, “abrir alas àquilo que antes queriam evitar”.

Nada disto é novo. Só mostra como, neste campo, nada mudou. Lembro-me bem de como no passado, por exemplo, deputados dos grandes escritórios se juntaram para chumbarem uma proposta do seu próprio Governo que obrigava os estagiários na área do Direito a serem remunerados. Ou de, mais recentemente, nos trabalhos para rever a legislação laboral, os deputados próximos do setor do trabalho temporário mexeram os seus cordelinhos para que o PS não aceitasse mexer em nada de essencial no setor. A ordem reina.

Claro que, para desviar o assunto, ouviremos falar da “importância da regulamentação do lobbying”, conversa que é pura areia para os olhos, quando, no essencial, PS e PSD se juntaram para garantir a continuidade das portas giratórias entre interesses económicos e poder político que têm sido uma característica estruturante do capitalismo português. Vai de vento em popa o país de Maria Luís Albuquerque e da promiscuidade com os fundos abutre, de Adolfo Mesquita Nunes e da Galp rentista, de Carlos Peixoto e dos escritórios dos vistos Gold, de António Vitorino e da EDP, de Carlos Moedas e dos CTT privatizados (logo dirigidos pela sua mulher, depois do negócio ruinoso da privatização).

O centrão e o mundo dos negócios sempre formaram uma grande família.

Artigo publicado em expresso.pt a 29 de março de 2019

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
Comentários (1)