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A opacidade da transparência

Depois de meses de trabalho parlamentar sobre um pacote legislativo de combate à corrupção, PS e PSD acertaram à última hora as escapatórias que garantam a intocabilidade de alguns interesses poderosos.

Era de esperar. Depois de meses, muitos meses, de trabalho parlamentar sobre um pacote legislativo de combate à corrupção, PS e PSD acertaram à última hora as escapatórias que garantam a intocabilidade de alguns interesses poderosos.

Muito alarde sobre a criação de um Comité de Ética, muito alarde sobre a regulamentação do lobbying, muito alarde sobre a adoção de códigos de conduta. Mas, onde se exigia determinação para combater os mecanismos ágeis dos circuitos das influências, eis que PS e PSD se juntam para barrar caminho a mudanças a sério.

Veja-se o caso dos deputados advogados. O resultado do trabalho alcançado na Comissão da Transparência tinha sido este: “É vedado aos deputados (…) integrar ou prestar quaisquer serviços a sociedades civis ou comerciais que desenvolvam qualquer uma das atividades referidas na alínea anterior” (consultoria, autoria de pareceres ou patrocínio judiciário”. Sublinho: não só prestar esses serviços como integrar as sociedades que os prestem. Pois bem, na vigésima quinta hora, PSD e PS aprovaram uma proposta de alteração ao que tinha sido adotado com a seguinte redação: “É vedado aos deputados (…) intervir em qualquer uma das atividades referidas na alínea anterior que sejam desenvolvidas por sociedade civil ou comercial à qual preste serviços ou da qual seja sócio (…)”. A diferença é tão óbvia que magoa: é vedado ao deputado intervir diretamente mas não ser membro da sociedade que intervém.

Não é que fosse preciso, mas fica mais que provado que a regulamentação do lobbying entra pela porta e sai logo pela janela. PS e PSD (e CDS, no caso) aprovam que quem faz lobbying tem que se registar como tal e as reuniões tidas com agentes políticos têm que ser publicitadas. Mas os mesmos PS e PSD aprovam depois que um deputado-advogado fica de mãos livres para legislar em assuntos tratados pela sociedade de que é membro, contanto que tenha o cuidado de pedir ao colega do gabinete ao lado que seja ele a aparecer formalmente nos processos sobre o assunto lesgislado. Concessão de vistos gold é um simples exemplo, totalmente ao acaso, pois claro.

O Comité de Ética bem pode aplicar todos os códigos de ética que quiser. Mas a ética ficou, mais uma vez, à porta dos interesses que PS e PSD defendem.

Artigo publicado no diário “As Beiras” a 30 de março de 2019

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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