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Artigo 13

A proposta inicial da Comissão Europeia não continha o artigo 13. Se ele chegou à versão final foi pela força do lobby da indústria. Não só os criadores não saem protegidos, como se cria uma internet cheia de exclusões.

Parece que a saga chegou ao fim, mas é só uma aparência. A famosa directiva sobre os direitos de autor na era digital foi aprovada esta semana e duvido que haja enormes festejos, mesmo do lado de quem a defendeu. A questão não é de somenos importância: é urgente legislar sobre os direitos de criadores, autores e jornalistas na era digital. A pergunta que se coloca é: a que preço?

Não raras vezes, durante este longo processo, me perguntei como votariam efectivamente tantas das pessoas que nos pediram para votar a favor se tivessem essa missão? É possível, em consciência, aprovar uma proposta que contém em si mesmo um instrumento de censura que, por definição, é a antítese da liberdade de expressão e de criação? A resposta é, como o resultado demonstra, que, sim, é possível.

Muitas coisas foram ditas sobre a directiva em apreço, mas creio que é importante manter-nos no quadro do que realmente foi aprovado e não no mundo das interpretações. O objectivo inicial da directiva - garantir uma remuneração justa e proporcional aos autores e criadores e um real reconhecimento do trabalho dos jornalistas - não consta da proposta aprovada. A directiva acaba por ser um instrumento que reduz a criação no mundo digital à criação que já existe e está contractualizada com indústria que a representa, ao mesmo tempo que coloca todo o poder de selecção nas mãos das grandes plataformas digitais. Queremos mesmo acreditar muito que de um dia para o outro as plataformas deixarão de mover-se pelos lucros e passarão a estar à mesa de negociações?

As plataformas em causa - google e youtube, sobretudo - já possuem filtros para eliminar conteúdos da internet e esta directiva legitima-os, permite a criação de novos e dá-lhes força de lei, mesmo sem os mencionar. Os filtros são, como alguém os chamou, o Lord Voldemort da directiva, aqueles que não podem ser nomeados, mas que toda a gente sabe que existem. No sentido de evitar pagar mais à indústria que representa os criadores ou aos donos dos títulos de imprensa, as plataformas digitais têm sempre a opção de apertar a malha dos filtros de tal forma que deixam de fora muitos conteúdos que não infringem a protecção dos direitos de autor. É também por essa razão que não se pode afirmar com certeza que os conteúdos de sátira não serão eliminados. Tal como o Lord Voldemort, os filtros não têm coração, não sabem para que fins se está a utilizar o conteúdo não licenciado.

A proposta inicial da Comissão Europeia não continha o artigo 13. Se ele chegou à versão final foi pela força do lobby da indústria. Certezas são poucas, mas uma existe: não só os criadores não saem protegidos, como se cria uma internet cheia de exclusões. O espaço digital quer-se neutro e inclusivo. O que esta directiva ajuda é à criação de uma internet para plataformas e mediadores. Para quem acha que isto não tem importância nenhuma e que os fins justificam os meios, deixem que comece o apagão.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” de 30 de março de 2019

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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