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A Direita tem medo de si

Depois da rejeição esperada e do debate em curto-circuito programado, é difícil encontrar mais do que duas formas de olhar para a moção de censura ao Governo.

Uma, como a última encenação antes do fim da legislatura, a derradeira chance para marcar a agenda política pré-eleitoral. Outra, como uma nota de rodapé na chicana política, numa espécie de jogo do galo entre Cristas e o PSD com o fantasma da volatilização do espectro político à Direita representado por novos partidos ou movimentos. Estes dois olhares, paralelos, não escondem o sentimento fúnebre, versão "união de facto", que presidiu à moção e voto conjunto dos partidos das Direitas Unidas (para utilizar o jargão com que o CDS teima em apelidar - como se visse o Diabo - os acordos parlamentares à Esquerda). A Direita democrática vive, por estes dias, com o medo da sua progressiva irrelevância. A Direita tem medo de si mesma e tem medo de si, caro eleitor.

Após dois anos perdidos em negação por não serem o Governo-legítimo-do-país-que-o-povo-não-quis, foram caiando em si e, enquanto isso, foram tombando os pins da lapela. A Direita demorou dois anos a acreditar que tinha mesmo que fazer oposição. E se essa ficha caiu, deve-o à solidez dos acordos à Esquerda, firmeza na qual nunca acreditaram. Paralisaram dois anos, pensando que seria o Bloco de Esquerda ou o PCP ou a conjuntura internacional a devolver-lhes o poder e, PàF, acordaram em sobressalto com a extrema-direita a morder os seus calcanhares democráticos que, entretanto, caminhavam tão liberalmente calçadinhos. Confiaram, observando, que os projectos editoriais em que passeavam ideologia, trariam como consequência necessária o regresso ao poder, sem cuidar de pensar que o degelo chegara aos vértices do seu iceberg, fazendo sair Santanas, Venturas e pequenas hordas de populistas. PSD e CDS vivem no receio dos fenómenos extremistas e demagógicos que ajudaram a criar. E, pelo teor da moção de censura, não aparenta que o CDS tenha aprendido alguma coisa com isso.

O Rui Rio que acabara de ser eleito líder do PSD nunca seria arrastado pelo CDS para esta moção de censura. O Rui Rio sobrevivente de agora, aquele que enfrentou a maior campanha negra dos saudosos do passismo, já não tem margem para deixar de ir a reboque. Foi aqui, neste lugar sem opção, que os seus inimigos internos o quiseram encostar. Encostar à direita para o poderem ultrapassar em contramão. Enquanto isso, a volatilização que tantos consideravam ser um privilégio negativo da Esquerda, ganha contornos de uma vida perfeitamente normal numa família às direitas. Dois anos depois das próximas eleições legislativas, onde estará a Direita democrática em Portugal?

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 22 de fevereiro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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