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As três táticas da extrema-direita

Às condições sociais que germinam a extrema-direita é urgente dar uma resposta de esquerda. Essa resposta tem que passar forçosamente por um corte absoluto com as políticas de austeridade.

Hoje em dia, é quase um lugar-comum afirmar que as forças da extrema-direita e do ultraconservadorismo lavram caminho, um pouco por tudo mundo, muitas vezes com a quase total apatia, inação ou até convivência saudável com as forças políticas da direita tradicional e do centro.

A ascensão da extrema-direita acontece por razões diversas, apesar do nexo causal ser relativamente consensual. No plano socioeconómico, foram as consequências sociais e económicas das políticas de austeridade que criaram a tempestade perfeita para estes movimentos medrarem. A isto juntou-se uma mudança estrutural no plano das conceções mentais, caraterizada pela consolidação do neoconservadorismo e do nacionalismo agressivo, como cimento ideológico das políticas de austeridade.

A esquerda tem que saber dar resposta às consequências sociais e económicas das políticas de austeridade: defendendo e avançando os direitos laborais e sociais; lutando por melhores salários para os trabalhadores e trabalhadoras; expandindo as funções sociais do estado; defendendo os direitos individuais e as liberdades contra o crescente racismo, a xenofobia e o machismo e homofobia.

A componente ideológica substantiva destes movimentos já foi discutida por outros intervenientes. No entanto, temos que ter pleno conhecimento da tática política assumida por estes movimentos. O trabalho recente de David Renton, sobre a extrema-direita, dá-nos pistas nesse sentido, apontando 3 vetores que explicam o sucesso destes movimentos: um crescente internacionalismo à extrema-direita, a convergência com a direita tradicional e, finalmente, a higienização da imagem e do discurso.

Enquadrado no primeiro vetor, temos assistido, nos últimos anos, a um estreitar de relações, não só entre movimentos e partidos, mas também entre governos de extrema-direita, no plano transnacional. Após a sua jornada na Casa Branca, o mago da reação americana, Steve Bannon, fez uma tournée pela Europa, com o objetivo explícito de estreitar e consolidar as relações entre as várias extremas-direitas do continente, oferecendo recursos e consultoria a esses movimentos. Este é apenas um exemplo, entre muitos que se poderiam citar.

Hoje, a extrema-direita está ligada em rede. Troca entre si, não só ideias e recursos financeiros, mas também apoios mútuos, oradores em congressos, etc.

O segundo vetor de mudança prende-se com a convergência entre a extrema-direita e a direita tradicional, rompendo um cordão sanitário que as democracias do pós-guerra tinham consensualizado e que confinava a extrema-direita à marginalidade. Esta transformação acontece por razões diversas: algumas vezes é por razões de competição eleitoral – os movimentos de extrema-direita, ao politizar certos assuntos até então “adormecidos”, enviam sinais aos demais partidos da direita tradicional que por razões táticas passam a jogar no campo da extrema-direita; outras vezes a razão deve-se à normalização das propostas e discurso mais agressivo da extrema-direita, que faz com que a direita tradicional perca a vergonha de competir nesse campo.

Seja qual for a razão, já assistimos a vários episódios desta convergência. Podíamos destacar, apenas como exemplo, as declarações de Hillary Clinton, reportadas no jornal britânico The Guardian, nas quais defendeu que, para enfrentar o ascenso da extrema-direita e das forças ditas populistas, a Europa teria que endurecer as suas políticas de migração, fechando fronteiras e agilizando deportações.

Em Portugal, Passos Coelho teve um contributo decisivo, no momento em que, ao manter a confiança política em André Ventura, durante as eleições autárquicas de 2017, em Loures, rompeu o cordão sanitário. A decisão enviou sinais claros ao resto do partido e à direita em geral: este discurso, abertamente racista e justicialista, é aceitável. Esta foi uma decisão política e deve ser lida com tal.

O terceiro e último vetor, segundo Renton, é que a extrema-direita conseguiu higienizar a sua imagem, tirando proveitos eleitorais e de normalização. Nos últimos anos, os vários movimentos reacionários renegaram alguns dos símbolos e táticas da extrema-direita clássica. Longe vão os tempos em que os principais protagonistas da extrema-direita usavam cabeças rapadas e suásticas tatuadas no pescoço. Os novos protagonistas apresentam-se com um discurso mais moderado e sofisticado e usam fato e gravata.

Os efeitos desta articulação de vetores são claros: os movimentos de extrema-direita conseguem parecer mais credíveis, mais moderados e menos isolados política e socialmente. Por consequência, conseguem normalizar as suas propostas e discurso na sociedade e alcançar vitórias eleitorais.

Às condições sociais que germinam a extrema-direita é urgente dar uma resposta de esquerda. Essa resposta tem que passar forçosamente por um corte absoluto com as políticas de austeridade que estão na origem do crescimento destes movimentos – defendendo os salários e os direitos laborais, alargando as funções sociais do estado e protegendo os direitos e liberdades individuais.

A esquerda não pode permitir que estes movimentos marquem a agenda política: não vamos ganhar a sociedade com o confronto direto com estas forças, já que isso contribuirá ainda mais para a sua normalização. A esquerda ganha se fizer o confronto em torno de um programa político de alternativa ao capitalismo capaz de mobilizar as camadas populares.

Sobre o/a autor(a)

Bolseiro de doutoramento, dirigente distrital de Aveiro do Bloco de Esquerda
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