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Um tweet

“Fixem bem este nome: Lara. Tinha dois anos e foi assassinada pelo pai. A 7 de Fevereiro a violência doméstica conta já com 10 vítimas mortais. Da próxima vez que disserem que não há desigualdade de género, que não há discriminação ou violência contra as mulheres, lembrem-se da Lara”.

Escrevi estes 240 caracteres na minha conta de twitter e não me lembro de tamanha onda de insultos. Não falo de debate de ideias, falo de insultos. Aparentemente, uma coisa não tem nada a ver com a outra que também não está relacionada com a outra coisa. As coisas são: o assassinato de uma criança pelo próprio pai, a violência doméstica e a desigualdade de género. Pois, insisto: não devemos esquecer este nome, o horror e as suas causas. Falo de um crime abjecto com um motivo deixado escrito pelo próprio homicida: culpar a mãe. A mãe que foi vítima de violência doméstica. A violência doméstica que resulta da desigualdade de género.

O caminho para o reconhecimento da violência doméstica e da sua causa principal, a desigualdade de género, foi longo. Mas, em 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas publicou a Declaração para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, onde a definiu como uma manifestação das relações de poder desiguais entre homens e mulheres. Em 1995, a Declaração de Pequim reiterou esta posição, assim como, em 2005, a Organização Mundial de Saúde.

Esta menina, como tantas meninas e meninos, foi uma vítima trágica da violência doméstica, tal como a sua avó. Falhámos à menina, à mãe e à avó e não podemos silenciar essa falha. Ontem, aqui mesmo no Diário de Notícias, podia ler-se: “‘Por acaso’, descreve a Polícia Judiciária, uma mulher não entrou para a estatística negra das mortes por violência doméstica, que este ano já chegam a dez”. Infelizmente, em pouco mais de um mês são já dez vítimas de violência doméstica, sendo as últimas Lara e a avó. Esta senhora poderia ter sido a 11ª. Em pouco mais de um mês, são já um terço das vítimas de 2018 e metade das vítimas de 2017. Em Portugal, o homicídio baixa e o femicídio aumenta.

A agressividade perante o tweet levou-me a ver os perfis de algumas das pessoas que se recusam a ver o problema. Encontrei de tudo, desde quem lhe pareça normal auto-descrever-se como “CEO de minha casa (só às vezes)” até quem tem por hábito publicar vídeos que ridicularizam mulheres ou quem ache que ataca o primeiro ministro por compará-lo a uma mulher. O nível de tolerância - de homens e de mulheres - perante a desigualdade de género e a violência doméstica é assustador. É como se metade da sociedade pudesse não contar tanto como a outra metade e nenhum problema houvesse com isso. Educação, prevenção e perceber que se trata de factos e não de matéria de opinião são caminhos fundamentais para começar a lidar com o problema. Isso e não calar.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 9 de fevereiro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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