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A crise da habitação não foi um acaso

Escolher não mudar nada é negar aos mais jovens e aos mais velhos, que estão a ser expulsos das cidades, o seu direito à habitação e à cidade.

Nas últimas semanas surgiram dois importantes estudos que trazem alguma luz sobre a gravíssima crise na habitação. Se até aqui pensávamos que as políticas públicas tinham falhado nas questões relacionadas com a habitação, agora fica claro que foram as leis criadas pelos sucessivos governos que entregaram a habitação à especulação imobiliária. A crise da habitação foi criada, não aconteceu por acaso.

O estudo do Observatório da Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa lançou uma infografia no final de 2018 que esclarece que, durante muitos anos, as políticas públicas na área da habitação cingiam-se, exclusivamente e de forma muito reduzida, ao apoio às populações mais desfavorecidas, desistindo de agir no mercado e de ter oferta pública de habitação para as classes médias.

Os investigadores esclarecem que, graças à turistificação e gentrificação, à entrada em vigor da Lei das Rendas de Assunção Cristas, aos investimentos estrangeiros fomentados pelos vistos gold e outros benefícios fiscais, a precariedade habitacional aumentou muito nos últimos anos, sem que se tenha conseguido resolver as precariedades históricas, como a degradação das habitações e a sobrelotação.

Os custos da habitação dispararam nos últimos anos para as famílias de Lisboa. Em 2014/2015, a habitação representava 27,4% dos gastos das famílias, subindo para 31% cinco anos depois.

E se em 2011 o custo médio de arrendar uma habitação na capital rondava os 347 euros, em 2017 já rondava os 577 euros. Os valores de venda das habitações também estão a aumentar rapidamente: em 2016 o custo mediano era de 1.875 €/m2 e em 2018 já atingia 2.753€/m2. Em 2019 estaremos bem pior. As famílias com rendimentos mais baixos não têm qualquer hipótese de encontrar casa em Lisboa, o seu direito à habitação está em causa.

Na passada semana, o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra apresentou um estudo onde esclarece que as políticas públicas ao invés de contrariarem a tendência de fuga das habitações para o mercado financeiro fomentaram este movimento, resultando no aumento dos preços da habitação e na diminuição da habitação disponível.

A conclusão é clara: “A questão da habitação de hoje remete para a economia política de um sector cada vez mais dominado pelo capital financeiro global, mas com impactos em territórios precisos, produzindo crescentes desigualdades sócio-territoriais”.

Assim, os partidos que estão a fazer o debate da Lei de Bases na Assembleia da República têm de escolher se querem manter a política de estímulos fiscais e desproteção dos inquilinos que nos trouxe a esta crise, ou, pelo contrário, se querem defender o direito à habitação criando um Serviço Nacional de Habitação, com a construção de habitação pública para as classes mais desfavorecidas, mas também para as classes médias, como acontece no resto da Europa.

Escolher não mudar nada é negar aos mais jovens e aos mais velhos, que estão a ser expulsos das cidades, o seu direito à habitação e à cidade.

Artigo publicado em “Jornal Económico” a 28 de janeiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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