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Populistas, fascistas e o centro político
Caçar fascistas pode ser uma tarefa árdua. Só o censor afoito descobriu no romance de Pèrez Masón (Bolano, A literatura nazi nas Américas) que as primeiras letras de cada capítulo compunham “Viva Adolf Hitler”, ou que as primeiras de cada quarto parágrafo compunham, “Cocó para vocês”. Se leram o recente livro de Madeleine Albright, a secretária de Estado de Clinton (Fascismo, um alerta), sabem que ela só encontrou um “verdadeiro fascista”, King Jong-un, na panóplia de ameaças inventariadas: Chávez, Maduro, Erdogan, Putin, Orbán, Duterte.
Há quem acautele a palavra com prefixos (neofascista, protofascista), porventura ciente que a História não se repete. Mas nem as dificuldades nem as cautelas retirarão “Fascista” das palavras de 2019. Assim o anotou Ricardo Costa, no Expresso, juntando-lhe advertências sobre os riscos da banalização e da ocultação da História. Manuel Carvalho, no "Público", insistiu sobre o primeiro risco. É bom ver jornalistas preocupados com a instrumentalização das palavras para podermos esquecer os/as que há pouco disparavam com “populista” sobre propostas e partidos de esquerda.
O Espectro dos Populismos, livro escrito a várias mãos1, assumiu aquela dupla orientação: devolveu os populismos à História e discutiu a banalização do termo. Devolver à História para reconhecer o papel dos populismos na “primeira” crise do sistema liberal, e o seu triunfo nos fascismos e, nesta crise, para avaliar as condições de afirmação da extrema-direita populista nos sistemas demoliberais ocidentais. Discutir a banalização e a caricatura para avaliar o seu valor ideológico e instrumental na autopreservação do centro político.
Não basta ler, hoje, o populismo e a extrema-direita como respiradores passageiros da crise do demoliberalismo, não se vira a cara à trumpização da política, às reconfigurações que a direita clássica sofre – veja-se o Vox na Andaluzia e as tricas no PP – ou ao fascista Bolsonaro. A esquerda da defesa radical da democracia e da segurança das pessoas e dos seus direitos sabe que só pode ser mais combativa e mais exigente e, nesta condição, percebe os riscos da “caça ao fascista”, quando os defensores do centro político usam os termos “fascista” para resguardar o seu espaço.
Dou o exemplo de Francisco Assis, no texto “Haverá um perigo fascista?” (“Público”). Respondendo afirmativamente à pergunta, Francisco Assis considera que o principal alvo dos extremistas é a UE, denuncia que um “recuo das posições pró-europeias, à esquerda e à direita, favorecerá fortemente o extremismo ultranacionalista” para concluir que a “morte do centro político abrirá as portas ao triunfo da extrema-direita”.
O problema é que foram as décadas de “vida” do centro político que abriram as portas à extrema-direita. Francisco Assis poderá consolar-se com a leitura de Madeleine Albright e as potencialidades salvíficas do “centro vital” que, enxotando a um tempo os “flancos” da direita e da esquerda dos dois partidos do sistema, reabilitará “o único espaço do espetro ideológico onde se podem forjar acordos duradouros a favor do bem comum” (Fascismo, um alerta, p. 283), mas não pode apagar a História nem culpabilizar a crítica da esquerda à UE pelas perdas dos seus ou pelos ganhos da extrema-direita.
Não se pode apagar a colisão entre os poderes transnacionais e a história dos estados-nação – e das democracias no seu interior –, a globalização e os seus deserdados, a crise da União Europeia e o crash de 2008, o saque a décadas de conquistas sociais, a radical desregulação do trabalho, nem a rendição dos partidos da social-democracia ao consenso neoliberal, expurgando os que nele não se reviam, o magma, afinal, onde a extrema-direita se alimentou. Não se estranhará, assim, se “populista” (ou “fascista”) continuarem a ser palavras banais sempre que o centro político entender cuidar da sua higiene.
Artigo publicado no jornal “Público” a 21 de janeiro de 2019
1 [1] Boaventura de Sousa Santos, Cecília Honório, Fernando Rosas, Francisco Louçã, João Mineiro, José Manuel Pureza, José Sobral, Luís Trindade, Manuel Loff, Tinta da China, 2018.
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Francisco Assis considera que
Francisco Assis considera que o principal alvo dos extremistas é a UE, denuncia que um “recuo das posições pró-europeias, à esquerda e à direita, favorecerá fortemente o extremismo ultranacionalista” para concluir que a “morte do centro político abrirá as portas ao triunfo da extrema-direita”.
O problema é que foram as décadas de “vida” do centro político que abriram as portas à extrema-direita. Francisco Assis poderá consolar-se com a leitura de Madeleine Albright e as potencialidades salvíficas do “centro vital” que, enxotando a um tempo os “flancos” da direita e da esquerda dos dois partidos do sistema, reabilitará “o único espaço do espetro ideológico onde se podem forjar acordos duradouros a favor do bem comum” (Fascismo, um alerta, p. 283), mas não pode apagar a História nem culpabilizar a crítica da esquerda à UE pelas perdas dos seus ou pelos ganhos da extrema-direita.
A sua análise tem o meu completo acordo, camarada Cecília Honório. Já agora, em Portugal esse "centro político" foi protagonizado por indivíduos como Aníbal Cavaco Silva, António Guterres e Cavaco Silva que, em conjunto, foram Primeiros-Ministros durante perto de 23 anos. O problema não está no recuo das posições pró UE como sustenta Francisco de Assis, mas sim na cegueira política de quem tem dirigido a UE, sejam socialistas, sociais-democratas, trabalhistas, conservadores, democratas-cristãos, centristas, liberais, etc. Todos estiveram no poder e tiveram que sair dele por os cidadãos eleitores da UE terem deixado de lhes dar o seu voto. De alguns anos a esta parte os eleitores europeus, quanto a mim erradamente, começaram a alinhar com partidos populistas, xenófobos, anti emigração, isto é, com a extrema direita. Nada de novo, porque Hitler ganhou as eleições em 1933 devido aos erros dos partidos tradicionais alemães. Uma cena do filme "Cabaret" com Liza Minelli: diz um social-democrata alemão: olhem, vai ali uma manifestação nazi. Esses gajos até nos convêm, porque nos livram dos comunistas. Vê-se no filme, pouco tempo depois, o "Cabaret" repleto de nazis (já no poder) com a sua farda caraterística. END
Isto ainda não aconteceu em Portugal. Somos um caso raro, para já.
Fernando Justino
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