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“Propinas e creches” e não “propinas ou creches”

O que o país e as famílias precisam é que o ensino seja gratuito, universal e de qualidade desde a creche até à universidade.

Há um truque antigo na política que é o de pôr em oposição coisas que não são opostas, como se tivéssemos apenas duas escolhas, quando na verdade há muitas mais. Esse truque foi usado pelos comentadores da direita na passada semana, dizendo que em vez de acabar com as propinas deveríamos – isso sim – ter creches gratuitas. No entanto, o que o país e as famílias precisam é, de facto, de que o ensino seja gratuito, universal e de qualidade desde a creche até à universidade.

O aparente consenso sobre as propinas no ensino superior caiu na passada semana como um castelo de cartas com várias figuras do PS e PSD a admitirem o fim das propinas. No governo, Manuel Heitor, Alexandra Leitão, Miguel Cabrita e Pedro Nuno Santos afirmaram que as propinas têm de acabar; Maria de Lurdes Rodrigues disse que “o fim das propinas é uma ideia não só viável como importante”; e o próprio Presidente da República desdisse o que o ex-líder do PSD Marcelo Rebelo de Sousa tinha dito 20 anos antes sobre a necessidade das propinas.

O sopro que fez o castelo de cartas desabar foi a redução de 200 euros das propinas em 2019 que o Bloco de Esquerda negociou com o PS no Orçamento do Estado. Antes disso, o consenso sobre as propinas no Ensino Superior parecia inabalável.

Os dados indicam que apenas 4 em cada 10 jovens acedem ao Ensino Superior, muito abaixo da média europeia de 6 em cada 10 jovens. E Portugal é o país que menos investe no Ensino Superior dos países da OCDE e dos países em que as famílias mais gastam para ter um filho na faculdade. Neste momento, as propinas representam menos de 200 milhões de euros do orçamento do Ensino Superior que têm de deixar de sair dos bolsos das famílias e passar a sair do Orçamento do Estado.

Só acabando com as propinas podemos almejar a massificar a entrada dos estudantes nas universidades e, com isso, dar o salto de qualificações que o país precisa para projetar um melhor futuro. Dito de outra forma: a “geração rasca” que se manifestou contra as propinas nos anos 90 tinha toda a razão e bem avisou.

Mas o fim das propinas nada retira à necessidade de mais oferta de creches. É sabido que a falta e o custo dos equipamentos que recebam as crianças antes do ensino primário é um dos fatores – a par da precariedade laboral – que mais dificulta a decisão dos casais terem crianças. Não é para menos. Como toda a gente sabe, hoje custa muito mais dinheiro ter um filho na creche do que na universidade.

A aposta na natalidade e a melhoria da qualidade de vida e do bem-estar das populações não pode passar sem uma rede de creches capaz de absorver toda a procura. No entanto, a rede de creches não lucrativas financiada pela Segurança Social não abrange sequer metade das necessidades atuais e os preços praticados pelas creches subsidiadas são demasiado altos.

As creches têm de deixar de ser vistas como um “apoio à família” que é prestado pelo terceiro setor e têm de passar a ser um direito que as crianças e as famílias têm desde o primeiro ano de vida dos bebés. Atualmente vivemos a situação caricata de uma câmara municipal poder investir na construção de uma creche mas não a poder gerir, sendo obrigada pelo Estado central a concessioná-la a privados. As creches têm de ser incluídas na Escola Pública porque é a única forma de poderem ser gratuitas, universais e de qualidade.

Por isso, não nos atirem areia para os olhos, não há nenhuma dicotomia. Não temos de escolher entre creches ou propinas, temos, isso sim, de ter creches e universidades gratuitas.

Artigo publicado em “Jornal Económico” a 14 de janeiro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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