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350 anos após a sua descoberta, o fósforo está a acabar

Reciclar o fósforo nos dejetos humanos pode não parecer uma tarefa muito edificante, mas será a galinha dos ovos de ouro para quem consiga encontrar forma de o fazer. Artigo de Petr Kilian.

É altura de comprar muitas velas. E se as acendermos com fósforos, isso só será possível graças a este aniversário. Parabéns aos 350 anos da descoberta do fósforo, um elemento essencial à vida tal como a conhecemos.

A história de como o 15º elemento da tabela periódica foi descoberto é um dos grandes acidentes do esforço humano — o equivalente químico, talvez, da viagem de Colombo para a Índia, em que encontrou as Américas por acaso. No caso do fósforo, o explorador foi Hennig Brand, um alquimista e comerciante do século XVII em Hamburgo, na Alemanha.

Brand tinha tentado alcançar um dos grandes objetivos da alquimia, fazer a pedra filosofal. Os alquimistas achavam que ela era o elixir da vida, capaz de transformar chumbo em ouro. Mas onde encontrar esta substância lendária?

Brand estava convencido de que a resposta era a urina humana, por duas boas razões. Primeira, o ouro e a urina têm cor parecida. Segunda, a urina vem do corpo humano, que era considerado pelos alquimistas uma obra de perfeição. 

A descoberta

O próprio processo que Brand pôs em marcha em 1669 era notável. Seria difícil repeti-lo hoje numa arrecadação no quintal — a menos que haja vizinhos dispostos a tolerar maus cheiros extremamente intensos. Brand concentrou grandes quantidades de urina humana e deixou-as a fermentar. Depois aqueceu os resíduos, fazendo destilação seca, como ilustrado abaixo na pintura de Joseph Wright de 1795, O Alquimista em Busca da Pedra Filosofal.

Brand acabou por ficar com um sólido ceroso que brilhava no escuro até numa garrafa fechada, e entrava espontaneamente em combustão com uma chama branca muito luminosa quando exposto ao ar. Perplexo com estas propriedades, chamou-lhe fósforo porque isto queria dizer “portador de luz” em grego. E tentou muitas vezes usar a substância para transformar chumbo em ouro, mas sem sucesso.

  "O Alquimista em Busca da Pedra Filosofal", pintura de Joseph Wright, 1795. Imagem Wikimedia.

Provavelmente desapontado, Brand deve ter pensado que encontrou em vez disso outro dos grandes postulados da alquimia, o flogisto puro. A alquimia tinha um quadro espiritual baseado principalmente na filosofia grega, que dizia que toda a matéria é formada pelos quatro elementos — ou qualidades — ar, terra, fogo e água. Quando o calor e a luz eram produzidos durante a combustão, os alquimistas pensaram que seria por causa do flogisto, um elemento parecido com o fogo que estava presente nos objetos combustíveis e libertado quando queimavam. 

A teoria do flogisto não foi desmascarada até aos anos 1770, quando Antoine-Laurent Lavoisier provou que a combustão é uma reação com um gás — o oxigénio. Mais de um século depois, tornou-se possível transmutar um metal em outro — mas usando um reator nuclear em vez de uma pedra filosofal. Contudo, do ponto de vista económico o processo nunca fez grande sentido, pois apenas quantidades mínimas de metais nobres como o ouro podem ser criados desta forma.

Anúncio de 1889. Goodall's Illustrated Household Almanac

Por outro lado, a descoberta do fósforo abriu um novo e fascinante capítulo no que se tornaria a química moderna. Cerca de 50 anos após a descoberta de Brand, Johann Thomas Hensing, um professor de medicina da Universidade de Glessen no centro da Alemanha, demonstrou que o fósforo estava também presente no cérebro humano (teriam de passar décadas até que fosse demonstrado que também existem minerais que contêm fósforo).

Começaram a ser vendidos os primeiros medicamentos contendo fósforo elementar, talvez achando que “se está no cérebro, deve fazer bem”. Isto acabou por se provar gravemente errado, uma vez que o fósforo branco é na verdade muito tóxico — a dose fatal é apenas 1mg por quilo de massa corporal. E assim os doentes acabaram por ser envenenados.

Portador de vida e morte

Apesar disso, o fósforo é biologicamente essencial. Em média, o corpo humano contém cerca de meio quilo de fósforo, a maior parte na forma de fosfato para fortalecer os ossos e dentes. O fósforo cumpre o papel essencial de manter juntas as moléculas de DNA e RNA — a espinha dorsal destas longas estruturas em forma de corrente contêm dois grupos de fosfatos por par de bases nucleicas. Sem o fósforo, é difícil imaginar qualquer tipo de vida.

Os alimentos ricos em fósforo incluem vários tipos de carnes, mariscos, lentilhas, feijões, nozes e sementes. Na ponta oposta do espetro, o fósforo branco foi muito usado em veneno para ratos. Ainda mais extremo, os agentes de guerra química Sarin e VX são compostos de fósforo. O Sarin, por exemplo, é 21 vezes mais mortífero do que o cianeto de potássio. É um grande exemplo de como os elementos presentes nas suas diversas formas podem ter aparências e efeitos biológicos muito diferentes.

Todos os agentes nervosos na imagem com um "P" contêm fósforo. Imagem fotosotof.

O fósforo tem muitos outros traços positivos. Junto com o nitrogénio, os fosfatos são a base dos fertilizantes bastante usados na agricultura. Não há substituto para o fósforo nesta função; não pode ser substituído por qualquer outro elemento nas plantas.

Isto levanta um grande problema. Os recursos de rocha fosfática — o único minério de fósforo — são limitados. Tão limitados que o fósforo aparece na lista dos “elementos em risco” em que está em causa a disponibilidade futura, O problema é que o fósforo usado como fertilizante acaba por ser dissolvido nos rios e oceanos enquanto fosfato solúvel, até se tornar sedimento. Atualmente não existe uma forma economicamente viável de o recuperar, e os cientistas prevêem uma escassez daqui a 30 ou 40 anos.

Isto leva-nos à necessidade de desenvolver a reciclagem de fósforo, de preferência no momento anterior a tornar-se altamente diluído nos nossos cursos de água. Mas como é que isso pode ser feito? A cada ano os humanos consomem 3 milhões de toneladas de fósforo a mais do que precisam, que acaba por ser expelido nas fezes e na urina. Reciclar o fósforo nos dejetos humanos pode não parecer uma tarefa muito edificante, mas será a galinha dos ovos de ouro para quem consiga encontrar forma de o fazer.

Isto levanta um ponto interessante. É tentador lançar um olhar bem disposto para a maneira como Brand encontrou fósforo em baldes de urina. Mas pode acontecer que com 350 anos de antecedência ele tenha afinal encontrado o melhor sítio. 


Petr Killian é professor de Química na Universidade de St Andrews, na Escócia.

Artigo publicado no portal The Conversation. Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.

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