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O caso dos dois relatórios

Em tempos de austeridade, PSD e CDS souberam sempre assegurar bons negócios. Privatizaram a EDP e ainda lhe garantiram lucros fixos por mais sete anos na eólica.

Nos arquivos do Governo está um relatório, de janeiro de 2012, sobre as rendas excessivas da energia e com propostas para a sua correção. Mas esse relatório, de Henrique Gomes, então secretário de Estado da Energia, acabou por não chegar à troika como previsto. Em causa estavam medidas que o secretário de Estado defendia, mesmo já depois de ter sido derrotado no Conselho de Ministros na sua proposta de contribuição sobre o setor elétrico, travada por Passos Coelho para valorizar a privatização da EDP.

Foi com espanto que a Comissão de Inquérito às Rendas Excessivas recebeu da OCDE um outro relatório, esses sim enviado pelo Governo português à troika. O tema era o mesmo, a data era parecida (fevereiro de 2012), mas a autoria não. Este relatório, que não consta de qualquer registo do Estado, foi feito nas costas do então secretário de Estado. A diferença entre este relatório e o anterior é que, aqui, o Governo de PSD/CDS apresenta como suas propostas da EDP para "reduzir a dívida tarifária". Entre elas, um pagamento à cabeça por parte dos produtores eólicos, em troca de três anos adicionais de tarifas subsidiadas.

Esta medida que beneficiava os produtores, prolongando-lhes a renda, tinha já, segundo o relatório, o acordo de 65% dos mesmos produtores. Resta saber quem, em nome do Governo, assumiu esta proposta da EDP e negociou com os restantes produtores de energia, sem dar conhecimento ao secretário de Estado... da Energia.

Um mês depois deste imbróglio, Henrique Gomes demite-se em discordância com o pouco ou nada que o Governo da Direita estava a fazer para acabar com as rendas da energia. Artur Trindade vem da Entidade Reguladora do Setor Energético para o substituir. Podia por isso esperar-se de Trindade uma postura tão ou mais dura contra as rendas, só que não. Em vez disso, a ideia apresentada à troika foi retomada, ainda que em formato diferente. As produtoras pagaram 150 milhões à cabeça mas garantiram tarifas protegidas por cinco anos. O sobrecusto estimado para os consumidores ultrapassa os 800 milhões de euros.

Em tempos de austeridade, PSD e CDS souberam sempre assegurar bons negócios. Privatizaram a EDP e ainda lhe garantiram lucros fixos por mais sete anos na eólica. A cereja no topo do bolo foi a portaria que Trindade deixou mesmo antes do fim do seu mandato, permitindo que as elétricas pudessem repercutir nos consumidores a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Elétrico e a Tarifa Social.

Artigo publicado no Jornal de Notícias a 18 de dezembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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