Dez pontos para compreender o debate sobre PMA e gestação de substituição

porMoisés Ferreira

07 de December 2018 - 10:21
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São necessárias novas alterações legislativas que respondam às questões levantadas pelo Tribunal Constitucional e que tornem a PMA e a Gestação de Substituição novamente.

O debate sobre acesso à Procriação Medicamente Assistida (PMA) e à Gestação de Substituição (GdS) volta ao Parlamento. O Bloco de Esquerda agendou o debate para hoje, dia 6 de dezembro, e apresentou dois projetos de lei.

Por que razão voltam estes temas ao Parlamento? Já não tinham sido discutidos em 2016? O que está em causa com os novos projetos de lei? Qual a necessidade de fazer novas alterações à lei? Os próximos dez pontos servem para responder a estas e outras questões.

1. Em 2016, a Assembleia da República discutiu e aprovou alterações à Lei da PMA. Com essas alterações a PMA passou a ser possível para todas as mulheres, independentemente do seu estado civil e da sua orientação sexual. Passou também a ser possível o acesso à gestação de substituição a mulheres sem útero ou com lesão ou doença grave deste órgão que impedisse a gravidez. Foram dois passos muito importantes para permitir a concretização de projetos de maternidade a tantas mulheres que estavam excluídas do acesso a técnicas de PMA.

2. Perante isto, o CDS decidiu enviar as leis para o Tribunal Constitucional. Já o tinha feito em 2006 quando em Portugal se legislou sobre PMA; fê-lo agora também, mais uma vez com o objetivo de impedir o acesso a estas técnicas.

3. O Tribunal Constitucional considerou que o alargamento da PMA a todas as mulheres não afrontava a Constituição. Teve o mesmo entendimento sobre o regime jurídico criado para a gestação de substituição. Nem a PMA heteróloga alargada a todas as mulheres, nem a GdS foram declaradas inconstitucionais. Mas algumas das suas normas foram, nomeadamente a norma que garantia o anonimato dos dadores de gâmetas; no caso da gestação de substituição, considerou-se que a possibilidade de arrependimento da gestante deveria estar garantida até ao fim da gravidez.

4. A consequência desta decisão foi a suspensão de todos os procedimentos de PMA com recurso a gâmetas de dadores, bem como a suspensão de todos os casos de gestação de substituição. Neste momento há cerca de 8000 embriões que correm o risco de destruição e milhares de pessoas que tinham já iniciado os procedimentos e que foram obrigados a pará-los. Todos os processos de gestação de substituição que aguardavam autorização foram cancelados. Mais uma vez muitas mulheres estão impedidas de concretizar os seus projetos de maternidade.

5. São necessárias novas alterações legislativas para desbloquear a situação. Alterações legislativas que respondam às questões levantadas pelo Tribunal Constitucional e que tornem a PMA e GdS novamente acessíveis.

6. São essas alterações que o Bloco de Esquerda leva a debate hoje e que esperamos que sejam aprovadas. Há milhares de mulheres, milhares de casais, que esperam estas alterações. Sem elas a sua possibilidade de ter filhos será cada vez mais reduzida, em alguns casos será mesmo impossível.

7. Sobre o acesso à PMA, propõe-se um novo regime que torna possível o acesso à identidade civil do dador por parte da pessoa nascida de procedimentos de PMA com recurso a material doado. Salvaguarda-se, no entanto, os direitos dos dadores e dos beneficiários que doaram e que recorreram a material que foi doado sob o pressuposto do anonimato. Ou seja, todos aqueles que fizeram dádivas sob um regime de anonimato mantêm o direito à confidencialidade sobre a sua identidade.

8. Sobre a gestação de substituição, propõe-se que a gestante possa revogar o seu consentimento até ao momento do registo da criança nascida, o que será um período de dois a três dias no caso de nascer numa instituição onde o registo seja possível ou de até 20 dias se nascer num local onde esse registo ainda não está disponível.

9. Estas são as alterações necessárias para fazer com que a PMA e a gestação de substituição sejam novamente possíveis. Não são as soluções que preconizamos inicialmente na lei, mas são as alterações que têm de existir depois do acórdão do Tribunal Constitucional sobre o assunto. A alternativa é manter tudo em suspenso, incluindo a vida de tantas mulheres e de tantos casais. E essa alternativa não é aceitável.

10. Se, em 2016, o Parlamento decidiu – e bem – pelo alargamento do acesso à PMA a todas as mulheres e pela possibilidade de acesso à gestação de substituição em casos muito concretos, então, neste momento, terá que decidir por estas alterações legislativas. Se elas não acontecerem, a PMA heteróloga e gestação de substituição serão apenas letra morta. Possíveis na lei, mas inacessíveis na prática. E não foi para isso que legislámos em 2016.

Artigo publicado no jornal “Público” a 6 de dezembro de 2018

Moisés Ferreira
Sobre o/a autor(a)

Moisés Ferreira

Dirigente do Bloco de Esquerda. Psicólogo
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