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Da pedra à lápide

A tragédia de Borba é mais uma página inquietante na relação de confiança que qualquer cidadão assume com o Estado.

Estes laços de afinidade colectivos e individuais não podem ser anexados num atilho de servilismo ou, em sentido paralelo, como se o Estado fosse o grande guarda-chuva que nos abriga de todos os climas e males. Mas ainda há mínimos. E o mínimo que se exige do Estado, seja quem for que transitoriamente esteja ao volante, é que não deixe que a sua incúria destrua a ideia de que é segura a terra que pisamos com os pés. Que não é campo minado, que não rebenta, abate ou explode com o tempo ou com a indiferença. O abatimento na antiga EN255 que liga Borba e Vila Viçosa, numa parcela contígua a duas pedreiras, nada deve ao inesperado. A tragédia anunciava-se breve. Já havia quem visse um troço de estrada fina em formato agulha, pendurada por pinças em pouca terra. Nem os avisos serviram de alicerces.

É tortuoso o caminho que conta os despojos quando não fica pedra sobre pedra. Apenas o abatimento. A exploração intensiva e desregrada das pedreiras, sem controlo ou fiscalização, é uma metáfora de luto para outros tantos sectores de actividade económica que caminham sem regulação ou com atropelos constantes aos mais básicos procedimentos de segurança. Também aqui, tanto fogo de artifício quando é tudo tão básico. As prioridades do Estado apontam vezes demais às trancas na porta, não cuidando de saber do que se encontra lá dentro. Mesmo quando, a olhos vistos, é evidente.

Ficamos agora cientes de que a segurança nas estradas nacionais anda por ondas-sem-rumo-nem-mar onde não há, ao contrário do slogan, ir e voltar. Quando se esperava uma resposta do IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes, entidade que superintende na fiscalização das estradas portuguesas), aparece o súbito sacudir de água do capote com traço institucional: tendo sido desclassificada da rede rodoviária nacional, o troço da EN 255 é - agora - uma estrada municipal. A competência para a sua fiscalização apenas compete à Câmara Municipal de Borba, cujo presidente assume nunca ter sido alertado para a perigosidade da estrada, apesar de a ter publicamente reconhecido em 2014. Assim vamos e aqui jaz.

O Ministério do Ambiente ordenou (e bem) uma inspecção ao licenciamento, exploração, fiscalização e suspensão das pedreiras na zona do acidente. Mas quanto tempo mais até que o Estado cuide de saber do estado das estradas que foram desclassificadas da esfera de competência do IMT, sem que as autarquias tenham sido dotadas de verdadeira atribuição, competência e capacidade para as manter e fiscalizar? Sempre o centralismo, esse estado dentro do Estado.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 23 de novembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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