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A gente não quer só comida

Temos assistido à organização da gente da Cultura que está cansada de viver com as metades das metades, e que luta por uma política cultural por inteiro, por orçamento e por dignidade.

Ao fazê-lo lutam pelo país. Para que o nosso direito constitucional à Cultura seja cumprido, e para que Portugal se possa fazer um país com memória e visão. Um país de gente consciente e livre.

Não é surpresa que a Cultura tem sido o parente pobre de uma família de serviços públicos que já mostrou ser tão resiliente quanto necessitada de investimento e valorização. Há, por esse país fora, gente que faz das tripas coração para manter a rede de serviços públicos de Cultura em funcionamento, para garantir as condições de produção artística em todo o território, para preservar o património coletivo e trabalhar as memórias.

Estão nos museus e nas bibliotecas, nos arquivos, nos teatros e cine-teatros, subfinanciados há vários anos, onde faltam profissionais e contratos dignos de trabalho. São as companhias de teatro e dança, os grupos de música e os artistas plásticos, realizadores e produtoras de cinema, escritores, entre tantos outros, que têm sobrevivido aos cortes à mais absoluta instabilidade sobre o futuro. São estas pessoas que garantem a programação dos equipamentos existentes, que trabalham com as escolas e com toda a população. São, por isso, parceiros do Estado na garantia do acesso universal à Cultura.

Quem exige mais orçamento para a Cultura sabe que o desinvestimento passado foi responsável pela destruição de património e pelo empobrecimento da população, num país que ainda tem um enorme défice de literacia e qualificações. E sabe que nada de bom virá se desperdiçarmos uma nova geração com enormes qualificações a quem são negadas condições de trabalho, ou se desvalorizarmos as gerações que vieram antes dessa, e que podem garantir a continuidade do trabalho feito.

Se hoje o orçamento para a Cultura é um pouco maior, devemo-lo à organização do setor. Mas deve-se exigir mais. Há, na especialidade do Orçamento, propostas importantes para reforçar as condições de vários setores culturais, da luta contra a precariedade aos museus, da criação artística ao IVA do espetáculo. Estas décimas do Orçamento serão inúteis se forem investidas na propaganda do défice zero do Partido Socialista, mas farão toda a diferença na Cultura. É um início, um reconhecimento do caminho que ainda temos pela frente porque, já diziam os Titãs, a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 20 de novembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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