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Nem dentro nem fora, e como todos perdem

O Brexit começou mal e acabará mal, com a União Europeia a responder da pior forma à sua maior crise de sempre.

Dois ministros responsáveis pelo Brexit demitidos em seis meses, o governo dividido, a bancada conservadora revoltada, a coligação maioritária esfarelada, as oposições em choque com May, o Brexit tornou-se uma lotaria. Começou mal e acabará mal, com a União Europeia a responder da pior forma à sua maior crise de sempre.

A mão do Conselho

Em 2013, David Cameron prometeu um referendo sobre a permanência na União, para responder às pressões na direita, com o ascenso do UKIP e dos euro-céticos dentro do seu próprio Partido Conservador. A promessa era razoavelmente irrelevante, pois a coligação com os liberais-democratas dava ao parceiro o poder de veto contra o referendo. Mas, em 2015, porventura impulsionado pela promessa, Cameron ganhou as eleições com maioria absoluta, os liberais-democratas desvaneceram-se e ficou obrigado a cumprir.

O que não seria de esperar é que as autoridades europeias favorecessem esta jogada política, motivada por arranjos internos dos tories. Mas em janeiro de 2016 Tusk, em nome do Conselho, assinou uma carta de compromisso que oferecia a Cameron dois temas para a sua campanha eleitoral: o direito a usar um “travão de emergência” restringindo os direitos dos imigrantes europeus antes de quatro anos de permanência no Reino Unido, e a garantia de que não existiria um “objetivo de integração política”. As duas regras são perigosas: a primeira porque favorece a pressão xenófoba e nela inclui os cidadãos europeus, violando de facto as normas legais, e o segundo porque seria sempre vulnerável, dado que qualquer nova norma europeia poderia sempre ser descrita como avanço de “integração política”. Ou seja, os governos europeus ofereceram a Cameron munições de demagogia e de violação de regras europeias, para o ajudar a ganhar um referendo difícil. E perderam todos. Para a UE, é a sua pior derrota política de sempre e é irreparável.

Um votação marcante

O Brexit foi aprovado com 52%, tendo sido a maior votação de sempre na democracia britânica. Na sequência desta derrota, Cameron demitiu-se e foi substituído por May, que convocou eleições e que as ganhou com mais dois milhões de votos do que os obtidos pelo seu antecessor, a maior votação conservadora desde que Thatcher provocou a guerra das Malvinas em 1983. Só que, com Corbyn, o Partido Trabalhista também recuperou eleitorado jovem e popular, de modo que May ficou em minoria no parlamento, tendo-se então aliado à direita unionista da Irlanda do Norte.

Todo o mapa do imbróglio atual está aqui desenhado: a UE favoreceu uma jogada suicida de Cameron, May tentou salvar o partido prosseguindo o resultado do referendo, os demónios da xenofobia foram sendo libertados, a direita irlandesa determina as condições do governo, os trabalhistas simpatizam com a crítica à UE mas desconfiam da aliança May-Trump que é oferecida em troca.

O jogo dos referendos

Na volatilidade destes dias de crise, May afirma que prefere que não haja acordo com a UE a haver novo referendo, que alguns conservadores e Tony Blair propõem. É facto que já houve referendos a corrigir referendos: a Dinamarca rejeitou em 1992 o Tratado de Maastricht e foi forçada no ano seguinte a novo referendo, depois de alguns ajustes para justificar a operação; o mesmo aconteceu com a Irlanda, que em 2008 recusou em referendo o Tratado de Lisboa e no ano seguinte o aprovou. Mas este procedimento é humilhante para o Estado que a isso se submete, denunciando que a sua democracia fica instrumentalizada pelo objetivo fixado pelas autoridades europeias.

Noutros casos não houve recuo: a Noruega decidiu em 1994 não entrar na União e a Dinamarca (em 2000) e a Suécia (em 2003) recusaram por referendo entrar no euro e assim ficaram. Em todo o caso, essas decisões incidiam em escolha do próprio país. Teve mais impacto na política europeia a rejeição da Constituição Europeia nos referendos francês e holandês de 2005, que determinaram o fim desse projecto, que era a espinha dorsal da ideia do supra-Estado europeu. Ninguém na Comissão se atreveu a exigir-lhes que repetissem o referendo sobre a Constituição, cujo principal redator era aliás um ex-presidente francês, Giscard D' Estaing. Se o Reino Unido agora aceitasse repetir o referendo, qualquer que fosse o resultado ficaria sempre menosprezado na relação internacional.

Jogo de terra queimada

Neste contexto, a atitude negocial da Comissão e do Conselho Europeu foi violenta: tentaram sistematicamente impedir um acordo com May, condicionar os tempos do Brexit, multiplicar incidentes e provocar a crise em Londres. A leitura dessa estratégia é só uma, tratava-se de punir o Reino Unido pela decisão de sair e de mostrar, desse modo, o custo que cairá sobre qualquer estado que tome decisão semelhante. É uma escolha muito arriscada pois, com a saída anunciada de Merkel e com Macron em vias de ser vencido nas eleições europeias por Le Pen, este jogo depende de exibir força europeia, que é tudo menos o que se vê. Autoridade insegura é lepra na política internacional.

A política de terra queimada revela também que interessa mais a Merkel e Macron o que dirão os seus jornais do que manter a ponte com a segunda maior economia europeia. Em suma, todos querem o desastre.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 17 de novembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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