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Touradas

A maioria dos portugueses pode não ser mobilizável contra a tourada, mas isso não que dizer que a aprecie. Nas camadas mais jovens a oposição às touradas cresce, assim como a consciência sobre os direitos dos animais.

Em julho de 2018 votou-se no Parlamento uma proposta de abolição das touradas. O projeto é derrotado por uma maioria que inclui a direita, o PCP e a maioria dos deputados do PS. Em novembro discute-se o orçamento, a proposta do governo prevê redução do IVA para espetáculos que não as touradas. O Lóbi tauromático agita-se e mostra estar bem ativo mostrando uma direita miguelista, marialva e conservadora, exibindo a sua penetração nas fileiras do PS e, mais discretamente do PCP. Como se fosse uma orelha ou um rabo na arena, exige-se a cabeça da ministra. A algazarra culmina na carta aberta de Manuel Alegre e na tomada de posição de 44 das 308 câmaras municipais (uma imensa minoria). Os argumentos são os habituais, mas agora centrados na tradição, no património cultural de que a tourada faria parte.

A tourada é cultura, dizem, a tourada é tradição, clamam, a tourada está na constituição, inventam. Preocupam-se com os excessos dos defensores dos animais que vão criar uma ditadura, uma espécie de "Animal Farm" (O Triunfo dos Porcos) diriam se a cultura chegasse a tanto.

Mas que cultura e que tradição são estas? É a cultura tradicional ancestral da sociedade de antigo regime, os trajes são os dos nobres setecentistas para os cavaleiros. E é disso que se trata, a tradição é uma sociedade em que os nobres são cavaleiros, as classes médias têm a espada e o capote do toureio a pé. Por fim o povo diverte-se com os restos do pobre animal que mais morto que vivo ainda serve para fazer uma pega. Não admira que a direita preze tanto a tourada, é uma sociedade tradicional e de classes que a "festa" reproduz. Apenas se mostra com uma face mais antiga do que gostaria de fazer.

Mas, dizem, a maioria dos portugueses aprecia a tourada. Conseguiram mobilizar 44 em 308 municípios, o que diz muito sobre essa maioria. Os “44” mostram que a "aficcion" está localizada, que a norte do Vale do Tejo não se lhe dá muita importância. Mesmo em municípios "taurinos" a unanimidade não é tão grande. Vila Franca de Xira é uma coisa, e em Alverca, no mesmo concelho, dizem-me: Aqui não gostamos de touradas. O mesmo posso ouvir na Baixa da Banheira (Moita). Não, não é verdade que a maioria dos portugueses aprecie a tourada, é um fenómeno do Vale do Tejo e Alentejo e perde-se nas zonas mais industriais e urbanas.

No interior nordeste fazem-se chegas de bois, socialmente é completamente diferente. O boi é comunitário, da aldeia, não do latifundiário. Tratava-se de escolher o melhor reprodutor, demasiado precioso para se matar. E estes touros são tão maiores que um touro de raça brava.

E vêm os argumentos pseudocientíficos. O touro não sente a dor; ou moralistas, mais vale touro de lide por uma tarde que galinha poedeira toda a vida, ou ainda a da extinção da raça taurina, como se fosse uma espécie e não uma raça, contida nas dimensões e ferocidade para não se tornar demasiado perigosa.

A direita acerta ao defender a tourada. É a sua tradição, a sua cultura, D. Miguel continua vivo, contra os liberais que brevemente proibiram a tourada. Afinal é menos moderna do que se julga. O PCP julga, provavelmente, agradar ao seu eleitorado rural e envelhecido, concentrado nas zonas mais aficionadas, mas afasta-se da sua parte urbana e moderna. E o PS, afinal não pretende ser urbano e moderno? Nem sequer está concentrado naquelas zonas, tem uma expressão nacional. O que está a fazer nesta arena? Sabemos que há sectores do PS tão conservadores como a pior direita, mas serão minoritários, tal como o são os do Ribatejo e Alentejo. Acreditarão mesmo que a maioria da população é pro touradas? Ou será o silencio dos lóbis a fazer-se ouvir alto? A revolta contra o governo quando em assuntos importantes tendem a ficar calados tem muito de cálculo eleitoral, mas isso não quer dizer que o cálculo esteja certo. A verdade é que a maioria dos portugueses pode não ser mobilizável contra a tourada, mas isso não que dizer que a aprecie. Nas camadas mais jovens a oposição às touradas cresce, assim como a consciência sobre os direitos dos animais. É um cálculo eleitoral errado, mas estas posições são apenas o sinal de que estes são deputados do passado, não do presente, muito menos do futuro.

Sobre o/a autor(a)

Investigador de CIES/IUL
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