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É ouro, senhores

A complacência com os vistos gold contrasta com a desumanidade face a migrantes e refugiados. Não é tarde para lidar nem com uma, nem com outra.

Chegar à União Europeia não é igual para toda a gente, já se sabe. Em vários países da União Europeia - treze mais em concreto - ter dinheiro é condição de porta aberta. Já se o assunto for fugir à morte ou procurar trabalho, a conversa é bem diferente. O caso que me refiro é o dos vistos gold. Portugal integra a lista de países com práticas mais questionáveis a este respeito. Não sou eu quem o diz, os dados vêm do Consórcio Global Anti-Corrupção e da Transparency International.

Corrupção, lavagem de dinheiro e crime organizado são apenas algumas das práticas que se vinculam a estes esquemas, que em Portugal foram introduzidos em 2012 a pretexto da necessidade de investimento estrangeiro e da criação de emprego. Não é preciso saber de onde vem o dinheiro, basta que ele chegue. Da mesma maneira, não é preciso criar muito emprego, basta fingir.

Esta semana voltámos a ter novidades sobre estes esquemas e a fotografia não melhorou. No caso de Portugal basta um investimento a partir de 350 mil Euros e residir no país durante uma semana no primeiro ano e duas semanas nos anos subsequentes para se ter acesso directo ao direito de residência e, assim, circular livremente em todo o espaço Schengen. É imoral e facilita todo o tipo de corrupção.

Desde 2012 e até Janeiro de 2018 tinham sido emitidas 5717 autorizações de residência em Portugal, aos quais se juntaram 9559 ao abrigo da reunificação familiar. Estas autorizações são renovadas a cada dois anos.

Se o investimento é necessário - e sobre isso não há dúvidas - o esquema definido para obtê-lo é altamente questionável. Sem transparência - até agora nunca foi publicada a lista de beneficiários -, sem controlo da origem do dinheiro e com elevadas suspeitas de corrupção, estamos longe de poder dizer que o investimento compensa o mal que faz. Há algum tempo, numa entrevista, a minha colega deputada Ana Gomes respondia assim a uma pergunta: “Se tudo for justificado pelo benefício económico, então entremos directamente no negócio das drogas”. Ana Gomes tem razão. Não há nada que nos garanta que este esquema não esteja a promover lavagem de dinheiro e evasão fiscal em grande escala. Não será por acaso que vivem em Portugal, através deste esquema, alguns dos principais suspeitos na Operação Labirinto, que trata precisamente de corrupção e tráfico de influência ligados aos vistos gold.

No relatório recentemente apresentado no Parlamento Europeu há um apelo ao fim dos vistos gold no espaço europeu. A própria Comissão Europeia já alertou para os problemas de segurança que estes esquemas podem trazer para o espaço Schengen. Às autoridades nacionais exige-se que publiquem todos os dados e que tomem a iniciativa de pôr fim aos vistos gold.

Há muitas áreas onde se vê a política de dois pesos-duas medidas no espaço europeu, mas esta é uma das mais gritantes e imorais. A quem tem dinheiro, tudo é permitido. A quem procura salvar-se tudo é negado. A complacência com os vistos gold contrasta com a desumanidade face a migrantes e refugiados. Não é tarde para lidar nem com uma, nem com outra.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 18 de novembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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