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Residências de estudantes: a nova crise de sempre

A redução do valor das propinas e a reabertura do debate sobre o seu fim significam que estamos novamente a debater o futuro que queremos para o país.

Lembro-me de uma reportagem na televisão há alguns anos sobre como viviam estudantes deslocados. Dormiam, estudavam, cozinhavam em placas elétricas, secavam a roupa, faziam tudo em pequenos quartos, sem condições. Lembro-me de amigos que partilhavam quartos e casas onde há décadas os senhorios não punham um tostão, com os tetos negros de infiltrações e janelas de vidraça.

O desinvestimento no ensino superior e a falta de residências universitárias empurravam os jovens estudantes para os quartos dos fundos de Lisboa, do Porto, de Coimbra. Todos os anos milhares de universitários anotavam os números dos anúncios dos classificados das faculdades. Agora esses placards estão vazios e a crise – que sempre existiu – nota-se.

O reitor da universidade de Lisboa diz que a situação é de “urgência”, porque o boom do turismo, a massificação do alojamento local e a crise na habitação fizeram esses quartos desaparecer e nunca houve investimento a sério em residências universitárias.

Os dados oficiais explicam bem o problema: dos 360 mil estudantes do ensino superior cerca de 120 mil estão deslocados e desses apenas 13% têm lugar nas residências de estudantes. Assim, 9 em cada 10 estudantes do superior deslocados têm de se sujeitar aos preços de mercado da habitação que são proibitivos; como em Lisboa, onde quem tiver a sorte de encontrar um quarto paga entre 400 e 650 euros.

Agora corre-se atrás do prejuízo. O Governo apresentou um plano para o alojamento no ensino superior para disponibilizar mais duas mil camas nos próximos três anos e, apesar de não ter verba para tal inscrita no Orçamento do Estado, a Universidade de Lisboa vai abrir mais 1.700 vagas em residências universitárias protocoladas com a Câmara de Lisboa, no âmbito do acordo entre PS e o Bloco de Esquerda. Mas tudo isto é uma gota no oceano: hoje só 6% dos alunos deslocados em Lisboa encontram cama nas residências oficiais.

Sem se rir, Rui Rio avisou que a falta de alojamento universitário está a “estrangular a vida de muitos estudantes”, dizendo que a redução em 200 euros da propina inscrita pelo Bloco no Orçamento do Estado é uma medida injusta e que esses fundos deviam ir para a construção de habitação para os universitários. É preciso ter descaramento, o mesmo PSD que aumentou propinas, que cortou na ação social escolar e que nunca investiu em residências universitárias quer agora ser o defensor dos universitários.

Como sempre, há quem veja na crise uma oportunidade de negócio e empresas como a Uniplaces ou a Smartstudios estão a investir dezenas de milhões de euros em residências universitárias privadas porque, dizem, “a procura é muito maior do que a oferta” e este é um investimento “atrativo para a banca” por ser “estável e seguro”. Há sempre quem aproveite as falhas do serviço público para fazer negócios de milhões.

Ter um filho na faculdade custa a uma família 6.500 euros por ano, sendo que a maior fatia da fatura vai para o alojamento e a alimentação. Esta é uma média nacional, porque uma família do Porto ou de Lisboa paga muito mais. É um esforço hercúleo que impede muitos jovens de estudar.

A redução do valor das propinas e a reabertura do debate sobre o seu fim são sinais importantes, mas é necessário apostar na ação social escolar e realizar um grande investimento no alojamento universitário – medidas que não sejam para apagar o fogo, mas que garantam que todas as pessoas que queiram estudar no ensino superior não são barradas à entrada pela falta de recursos.

Como se percebe, este é um debate sobre o futuro que queremos para o país.

Artigo publicado no Jornal Económico a 5 de novembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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