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Sérgio Moro manda prender Montesquieu

Com aquela tepidez acanalhada que os sonsos sempre põem nos gestos contidos, Moro sacou da caneta e assinou novo mandado de captura. Prenda-se Montesquieu.

O francês andava há muito nas ruas a gritar pela independência do poder judicial. Sérgio Moro não gostou.

Moro andou uma vida inteira mascarado de juiz.

Ficava-lhe bem a farda. Falava da dita independência que os juízes devem ter com grande convicção. Foi assim que, dotado dos poderes que o cargo confere, mandou prender Lula. Foi assim que interrompeu férias para falar contra a libertação do metalúrgico, a ser decidida em recurso. Lula estava à frente em todas as sondagens.

Foi assim que em plenas eleições permitiu a divulgação de declarações de delatores premiados que falavam contra Haddad.

Foi assim que a beca negra se foi esfarrapando, deixando ver o urubu que por baixo dela se escondia.

Foi assim que de juiz passou a ser mordomo de Bolsonaro. Aliás, um mordomo bastante mais competente e poderoso do que o seu senhor. Um mordomo que sabe o que quer, ao contrário do dono habituado apenas à arruaça.

A evidência do estratagema é tão primária e chocante, que mesmo aqueles que pensavam que já tinham visto tudo em matéria de atentados eleitorais, ficam perplexos com a pouca vergonha.

Eis-nos, pois, chegados ao reino do vale tudo. Tshirts com a cabeça ensanguentada de Lula; ameaças brutais aos estratos populacionais mais débeis; racismo, homofobia, misoginia, elogio à tortura e a torturadores.

Tudo isto Sérgio Moro subscreveu ao aceitar ser ministro da justiça. Uma justiça emporcalhada, vendida, prostituída, encenada em festivais amargos de impeachments forjados e em sambas fatais de esquadrões da morte.

Sem pudor. Sem remorso. Sem temor, habituado que está à impunidade.

No dia em que Moro assinar o livro da tomada de posse, assinará também a sentença de Montesquieu. Uma sentença sumária. Sem recurso. Abata-se.

Sobre o/a autor(a)

Advogada, dirigente do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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