You are here

O melhor amigo de Trump

O novo Presidente do Brasil quer ser o melhor amigo de Trump. Este é todo um programa político nos tempos que correm, é o programa político da extrema-direita que quer criminalizar a pessoa pobre e a pessoa diferente.

Jair Bolsonaro é um declarado apoiante da ditadura militar do Brasil dos anos 60, um defensor da tortura e, não se enganem, um claro adepto da criminalização das pessoas pobres e das pessoas diferentes.

Surpresa

Qualquer pessoa defensora dos direitos humanos foi ficando estupefacta com a crescente adesão a Bolsonaro, com a sua vitória na primeira volta e com a que já era mais que previsível vitória na segunda volta.

Como foi possível a vitória de um adepto da ditadura militar em eleições democráticas, pouco mais de vinte anos depois da queda da ditadura militar que esteve no poder no Brasil durante outros vinte anos, que dominou com terror a política brasileira, que prendeu, torturou e matou inúmeros anti-fascistas?

Naturalmente, não há apenas uma resposta, e é para essas respostas que pretendo contribuir com este artigo. E, desde já, assinalo que um péssimo resultado nos últimos vinte anos foi nunca ter havido um real e profundo julgamento da ditadura militar brasileira e dos seus responsáveis.

Resultado de um golpe

Um facto importante que é preciso não esquecer é a destituição da presidente Dilma Rousseff, sem que lhe tivesse sido imputado qualquer crime. Na verdade, todo o processo constituiu um golpe contra a democracia brasileira e contra a presidente democraticamente eleita.

A propósito, é preciso lembrar que Jair Bolsonaro votou, a 17 de abril de 2016, sim ao impeachment de Dilma Rousseff, assinalou na sua declaração que votava “contra o comunismo” e teve o atrevimento de elogiar um torturador da ditadura brasileira e ofendendo o passado antifascista de Dilma.

Brasil: Congresso eleito é o mais conservador desde o fim da ditadura” era o título da notícia do esquerda.net sobre os resultados das eleições de outubro de 2014 e a foto que ilustrava esse artigo era precisamente a de Jair Bolsonaro. O percurso político dos últimos anos é exatamente o resultado da evolução dessa vitória da direita de há quatro anos. Muitas vezes, a esquerda esqueceu esse resultado de 2014.

Conciliação de interesses antagónicos

Quando Lula foi eleito Presidente da República do Brasil, em 2002, certamente que não era fácil ao PT e à esquerda brasileira chegar ao Governo e aplicar uma política diferente. A preocupação principal de constituir um governo que somasse maioria, parece justa. E, não há dúvida que esse governo conseguiu tomar um conjunto de medidas favoráveis às pessoas mais pobres.

No entanto, essas medidas foram essencialmente de caráter assistencialista e, sobretudo, não alteraram a política neoliberal, que se manteve sob o consenso dominante. A política dos governos do PT procuraram conciliar os interesses da grande burguesia brasileira com a defesa dos pobres, sem romper com a dominância neoliberal e com o diktat dos suprapoderes instituídos. Em 2009, perante a crise, Lula exultava que o Brasil dessa vez emprestava dinheiro ao FMI, porém, a política neoliberal mantinha-se. O consenso dominante nos suprapoderes mundiais passou poucos meses depois a ser o da austeridade e o Brasil, dirigido pelo PT, não se opôs a essa política, apenas defendeu que o G8 fosse substituído pelo G20.

Rouba mas faz”

“Rouba mas faz”, foi o lema por que ficou conhecido o político brasileiro Ademar de Barros nos anos 50 e 60 do século passado. A corrupção tem sido marcante na história do Brasil e o sistema eleitoral e político do país, pelo menos, não ajuda a combatê-lo. Naturalmente, era difícil construir uma maioria para governar à esquerda.

Lamentável, é que nesse esforço a nova maioria tenha seguido uma das piores tradições da velha política brasileira, com pagamento e compra de favores.

A corrupção, que atingiu profundamente os governos do PT, acabou por ser marcante, quando a prática devia ser absolutamente intolerante com essa tradição.

Austeridade

Enquanto a evolução económica foi favorável ao “novo Brasil”, a política seguida pelos governos do PT manteve-se com grande apoio e pouco descontentamento popular. Quando a situação se alterou a nível internacional, o governo Dilma aplicou também uma política de austeridade, o apoio ao governo caiu abruptamente e o descontentamento popular cresceu nas ruas. “Da noite para o dia, o Partido dos Trabalhadores (PT), que desfrutara do mais longo e maior índice de aprovação do Brasil, tornou-se o partido mais impopular”, destacou Perry Anderson.

A recusa da política de austeridade acabou por ser usada pela nova direita, que tomou um peso enorme no Congresso eleito em 2014, e foi decisiva para o resultado a que se chegou nestas eleições. Outros fatores, são certamente também muito importantes, como por exemplo as “fake news” e o uso que a direita fez das redes sociais, ou o colapso da direita que usou o golpe e foi triturada por ele.

Criminalizar as pessoas pobres e as pessoas diferentes

A vitória de Bolsonaro ilustra bem o novo tempo em que vivemos.

Em novembro de 2016, na sequência da vitória de Trump, escrevi no esquerda.net que “o êxito de Trump é o resultado da profunda e prolongada crise do capitalismo”, que “a globalização capitalista, tal como a conhecemos nas últimas três - quase quatro décadas, terminou” e que “a política dominante mudou, os nacionalismos imperiais reganham nova agressividade, o mundo fica pior”.

A vitória de Trump agravou esses traços e a extrema-direita cresceu. A evolução política na Europa, nomeadamente em Itália, é significativa dessa evolução.

A nova política da direita é claramente belicista e procura sobretudo criminalizar a pessoa pobre e a pessoa diferente, é esse o significado da campanha anti-imigrantes nos EUA e na Europa, é esse o alcance da política ultraconservadora misógina e homofóbica que predomina na direita.

Desde há uns anos, a social-democracia tinha entrado em colapso por ter adotado a política da direita. Agora, estamos a assistir à queda da política da direita conservadora democrática. Significativas dessa falência são as afirmações de neutralidade de Assunção Cristas ou a declaração de Paulo Portas, que não vê nada de “eticamente reprovável” em Bolsonaro (branqueando, por exemplo, a defesa da tortura). Mais significativa ainda é a rampa descendente em que se encontra Angela Merkel na Alemanha.

Para a esquerda, é importante aprender com os erros, não esquecer que a extrema-direita cresce no apodrecimento da política austeritária, nomeadamente na Europa, e que o seu progama é a criminalização das pessoas pobres e das pessoas diferentes.

Sobre o/a autor(a)

Editor do esquerda.net Ativista do Bloco de Esquerda.
Termos relacionados Brasil – Eleições 2018
(...)