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Quem quer defender o direito à habitação?

Quando o problema da habitação em Lisboa precisa de soluções para ontem, ninguém pode fugir às suas responsabilidades, nem tão pouco se pode ter um discurso e praticar outro.

Há um tema que continua a ser incontornável na cidade de Lisboa, e que esteve presente em todo o discurso do presidente da Câmara na cerimónia das comemorações do 5 de outubro: habitação e especulação imobiliária. É um dos temas mais em cima da mesa do debate político e assim deve ser. Deve ser assim porque durante muito tempo, durante demasiado tempo, quem governa a cidade quis ignorar os efeitos perversos combinados do aumento do turismo sem regras e da existência de mecanismos fiscais que promovem a especulação imobiliária.

Durante muito tempo se quis ignorar que havia um problema ou sequer se quis abrir um debate em que se pudessem pensar medidas preventivas a longo prazo. Isto não aconteceu por vontade do Bloco de Esquerda, que apresentou, na Assembleia Municipal de Lisboa e na Assembleia da República, várias propostas no sentido de lançar este debate. Hoje é um debate urgente, que peca por tardio e pela consecutiva falta de vontade política de mudar radicalmente o paradigma das nossas cidades no que toca à habitação, com especial enfoque em Lisboa.

Sobre as soluções necessárias, muitas delas têm sido discutidas e até votadas no parlamento ao longo dos últimos meses. Sabemos que é um trabalho demorado, mas cujos resultados têm sido atrasados sucessivamente, veremos por quem. E quando chega a altura de votar, há soluções chumbadas que poderiam já estar a ajudar milhares de pessoas. Olhemos apenas para alguns exemplos.

Em primeiro lugar, a moratória aos despejos. A solução aprovada no parlamento foi muito curta, mas não era a única em cima da mesa: a proposta de uma moratória aos despejos para todos e todas, do Bloco de Esquerda, foi rejeitada. A proposta implementada é limitada porque implica muitas restrições ao universo de pessoas abrangidas. Aliás, isso mesmo se começa a verificar: os despejos continuam, as pessoas que supostamente são mais vulneráveis e deveriam ser protegidas não o estão a ser. Muito recentemente foi indicado que uma grande fatia dos pedidos de ajuda que chegam à linha SOS Despejos (da Câmara Municipal de Lisboa) são de pessoas acima dos 65 anos de idade. Isto demonstra que a proposta aprovada no parlamento do PS demonstrou ser injusta e deixar quem mais precisa vulnerável.

Em segundo lugar, o direito de preferência: é uma proposta com um percurso interessante, mas que apesar do veto do presidente da república conseguiu ver a luz do dia. Ainda assim, no processo de reapreciação parlamentar, o PS quis retirar o impedimento de se invocar a não realização do negócio como prejuízo apreciável para o exercício do direito de preferência. Sem isto, a proposta perderia uma parte considerável da sua eficácia. Com o texto final pronto, a proposta permite dar direitos efetivos aos inquilinos. Foi uma luta importante, à qual o Bloco de Esquerda não falhou e que continuará a acompanhar a sua execução.

Em terceiro lugar, o fim do limite de endividamento dos municípios quando o investimento em causa é para habitação: Esta questão é fundamental para os municípios e para concretizar uma política pública de habitação que possa responder à necessidade que existe de aumentar o parque habitacional público.

Neste sentido foram várias declarações públicas do presidente da Câmara Municipal de Lisboa e da própria vereadora da habitação da CML, em audição parlamentar: ambos corroboraram que esta proposta é essencial para os municípios e que não se podia perder mais tempo.

Seria, por isso, expectável que a proposta tivesse sido votada favoravelmente pelo PS. Assim não foi e nesta matéria juntou-se a PSD e CDS para chumbar algo que supostamente considerava essencial para os municípios, incluindo Lisboa! Mais uma caso de olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço.

Estes são três exemplos em como não são as forças à esquerda do PS que têm faltado ao compromisso, pelo contrário. O trabalho legislativo nunca é fácil, mas neste caso ele é absolutamente essencial e urgente para a vida de muitas pessoas. E, no entanto, os bloqueios para se avançar mais e para propostas estruturantes e corajosas têm sido constantes.

Neste caso, o PS tem que decidir se quer, mesmo, responder aos problemas e encontrar soluções ou quer manter uma política de propostas cirúrgicas, que não atacam a raiz do problema e protelando soluções.

Quando o problema da habitação em Lisboa precisa de soluções para ontem, ninguém pode fugir às suas responsabilidades, nem tão pouco se pode ter um discurso e praticar outro. As próximas semanas vão ser decisivas para a aprovação de uma série de medidas que vão no sentido de resolver os problemas, e o Bloco de Esquerda não falhará à chamada.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas
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